terça-feira, 22 de março de 2011

Política com ética, antes da Política com ideologia

Quando o Micael da Silva e Sousa me convidou para fazer um post enquanto convidado especial, aceitei prontamente e pensei imediatamente em seguir a linha orientadora deste excelente espaço promotor de intelectualidade e, assim, desenvolver uma "dissertação" ideológica. A minha escassez de tempo levou a que adiasse a minha participação e repensasse a forma da minha intervenção, orientando-a para a ética dos jovens na política partidária.
Ora, não tenho uma visão enviesada ao ponto de, uma forma maniqueísta, considerar todos os que têm uma ideologia divergente como pessoas incapacitadas moral e eticamente. Conheço conservadores mais respeitadores que ditos progressistas, conheço liberais mais sensatos e astutos que muitos socialistas ou socialistas revisionistas. A política partidária portuguesa, que é aquela sobre a que me posso debruçar minorando eventuais erros de julgamento, está incapaz de atrair jovens com qualidade do ponto de vista intelectual, com capacidade de sacrifício e de trabalho em nome da res publica e, sobretudo, inimputáveis do ponto de vista ético. Posso dizer, sem grandes dúvidas, que conheci na política partidária pequenos corruptozinhos com as manhas dos grandes mas, também, conheci menos afortunados que acabaram por se desiludir e abandoná-la ou relegar a participação cívica, a este nível, para um plano bem inferior. Há sempre favores a prestar a fulano e sicrano, ditam as "regras" que geralmente há que tomar as opções mais seguras, não há interesse em estimular o pensamento e o debate crítico e "abanar uma bandeirinha" dá sempre mais resultados que abordar a política de uma perspectiva ideológica ou até meramente técnica. Ou seja, relegando o pensamento audaz mais desalinhado, mais possibilidades sobram para os mais adaptados ao "aparelho partidário".
Assim, enquanto a política partidária continuar a catabolizar-se a si própria, cabe aos poucos que percebem e querem mudar o rumo desta autofagia, tentar praticar entrismo partidário com o objectivo de transfigurar a participação do cidadão comum mas ideologicamente identificado. Na verdade, a política é uma inutilidade sem ética e sem ideologia. A sua desqualificação pode conduzir a sociedade a um rumo autoritário ou anárquico... seja qualquer um dos extremos ideológicos, o futuro não é auspicioso.

Um abraço aos que como os escritores aqui do blogue e demais, continuam a estimular o debate ideológico e a combater a corrupção das estruturas. Este post é tão só um assinalar destas diminutas mas esforçadas práticas... um bem haja!

autor: Cláudio Carvalho

1 comentário:

  1. Uma reflexão de coragem e lucidez mas penso que existem muitas excepções. Aliás,a classe etária que até há uma dezena de anos dominava os partidos era uma classe com muitas leituras. Leituras adquiridas no calor dos anos 70. A partir daí e sobretudo depois da queda do muro de Berlim, assistiu-se ao abandono progressivo da reflexão ideológica na Europa. Nos Estados Unidos continua bem viva mas lá é proibido falar de “ideologia” e “socialismo”. Veja-se, por exemplo, o movimento em torno da colecção Real Utopia, coordenada por Archon Fung e Erik Olin Wright. Creio que este ocaso, sobretudo europeu, é devido às fragilidades conceptuais do socialismo e não só à máquina de propaganda, anti-socialista, que aproveitou o momento psicológico da queda do muro, para confundir socialismo com comunismo e levar tudo para o lixo. A revisão que Bernstein fez ao socialismo teve muitas virtudes mas também lançou grande confusão. Bernstein era teoricamente humilde e, talvez por isso, ninguém teve coragem para se dizer Bernsteiniano e ir reconstruindo o socialismo a partir daí. O socialismo democrático de Bernstein também se revelou um excelente veículo para fazer os partidos socialistas acederem ao poder e isso acabou por matar o interesse em investir no desenvolvimento das ideias de Bernstein. O poder corrompe de muitas maneiras. Uma delas é a preguiça intelectual. Hoje é evidente para todos que o socialismo necessita de ser reconstruído já que as suas respostas tornaram-se quase indistintas de partidos tradicionalmente mais à direita. O mais grave é que não apresenta uma teorização inovadora que mostre que é capaz de dar resposta, coerente e sinérgica, aos grandes problemas do mundo, como as recessões cíclicas, a crise ambiental e energética, o aumento da insegurança e da desigualdade, a degradação da qualidade de vida psíquica nas sociedades industriais, a recessão da ética, o aumento da instabilidade laboral, a persistência da fome no mundo, etc. As velhas ideias (economia planificada ou extremamente regulada por monopólios do Estado, democracia parlamentar, desenvolvimento sindical, liberalização dos costumes, Estado providência da saúde, da educação e de mínimos materiais, etc.) já não têm credibilidade. Contudo, existem dezenas de ideias novas que podem ser federadas coerentemente dentro da matriz socialista (muito se tem escrito neste blogue sobre isso). É preciso debatê-las e encontrar as suas sinergias mútuas e coerências com as tradições socialistas. Acabo aqui este comentário e espero ter oportunidade de fazer outro sobre a prioridade da ética.
    Desde já digo que sem ideologia ou religião é muito difícil ter grande adesão à ética.

    José Nuno Lacerda Fonseca

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