Em 1871, Antero de Quental apresentou, nas célebres Conferências do Casino, uma reflexão sobre as causas do centenário atraso português. Não obstante o esforço de pensadores com grande notoriedade, como Teixeira de Pascoaes, Eduardo Lourenço e José Gil, este tema tem estado ausente do espaço público. Talvez mais uma prova de que debatemos tudo exceto o essencial.
Recentemente, surgiu um livro de Marisa Moura (O que os Portugueses Têm na Cabeça) que volta a esta questão, de uma forma muito divertida e expressiva mas, também, muito bem informada. Desta vez, a tónica é colocada não só sobre as culpas do catolicismo mas, também, sobre a herança cultural do império romano e em várias atitudes, como o improviso e falta de planeamento, falta de ética, megalomania e inveja, entre outras, a que se juntam baixos níveis de educação, excesso de leis e má qualidade da democracia. As estatísticas sobre o nosso nível educativo e a falta de saúde mental, no contexto internacional, são esmagadoras.
Pessoalmente, creio que a razão, histórica, do atraso de muitas partes do mundo, incluindo Portugal, é a cultura imperial que persiste, ainda hoje, nos países que estiveram, durante muitos séculos, integrados em grandes impérios. Poderes autoritários e distantes que caracterizam os grandes impérios não induzem uma cultura cívica, de responsabilidade individual pelos bens comuns e pelo domínio público. Tal repercute-se, negativamente, no comportamento nas organizações, vida pública e política, ferido por descrença no sucesso das equipas, excessivo individualismo e autoritarismo, na ação e na inação.
Recentemente, surgiu um livro de Marisa Moura (O que os Portugueses Têm na Cabeça) que volta a esta questão, de uma forma muito divertida e expressiva mas, também, muito bem informada. Desta vez, a tónica é colocada não só sobre as culpas do catolicismo mas, também, sobre a herança cultural do império romano e em várias atitudes, como o improviso e falta de planeamento, falta de ética, megalomania e inveja, entre outras, a que se juntam baixos níveis de educação, excesso de leis e má qualidade da democracia. As estatísticas sobre o nosso nível educativo e a falta de saúde mental, no contexto internacional, são esmagadoras.
Pessoalmente, creio que a razão, histórica, do atraso de muitas partes do mundo, incluindo Portugal, é a cultura imperial que persiste, ainda hoje, nos países que estiveram, durante muitos séculos, integrados em grandes impérios. Poderes autoritários e distantes que caracterizam os grandes impérios não induzem uma cultura cívica, de responsabilidade individual pelos bens comuns e pelo domínio público. Tal repercute-se, negativamente, no comportamento nas organizações, vida pública e política, ferido por descrença no sucesso das equipas, excessivo individualismo e autoritarismo, na ação e na inação.
Império Romano na sua máxima expansão |
Talvez a primeira grande reflexão sobre este tema intercultural tenha sido a de Max Weber (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo) que via no movimento protestante uma adaptação cultural às necessidades do capitalismo. Pessoalmente, creio que foi nos primeiros países protestantes (norte e centro da Europa) onde os impérios mais tarde chegaram. De facto, ficaram fora do grande império romano e só tarde se constituíram como nações. A primeira unificação alemã data, apenas, de 1871 (pese embora o, fugaz, sacro império), a unificação britânica foi realizada nos séculos XVIII e XIX e os países nórdicos nunca constituíram grandes impérios.
Esta zona, saxónica e germânica, ficou muito tempo arredada das grandes civilizações, tendo, talvez, mantido mais vivo o espírito cívico e comunitário dos pequenos povoados. Este espírito favorece o trabalho de grupo nas empresas e na democracia. O histórico atraso germânico e saxónico acabou por ser a razão do seu ulterior sucesso. Nas margens do império chinês aconteceram situações semelhantes, juntando-se às exceções que escaparam ao peso das culturas imperiais.
Já Almond e Verba, no seu livro “A Cultura Cívica”, de 1963, identificaram o défice cívico em países latinos. Só muito depois, nos anos oitenta, Geert Hofstede, encontrou uma correlação, estatística, entre atitudes culturais e desenvolvimento económico, tendo sido popularizado pelo seu livro de 1991 – Cultura e Organizações. Mais recentemente, Acemoglu e Robinson, no seu livro de 2013, encontram uma relação causal entre períodos de desenvolvimento da democracia e períodos de desenvolvimento económico. Este tipo de estudos vem juntar-se a vários outros que, no meu entender, apontam em sentido idênticos, como os, bem conhecidos, de Fukuyama (Confiança), Alain Peyrefite (Sociedade da Confiança), Putnam (Capital Social) e Inglehart (World Values Survey).
O livro de Marisa Moura tem, também a virtude, entre várias outras, de recensear vários estudos sobre a especificidade portuguesa, com os de Teixeira de Pascoais, Eça, Ramalho, Eduardo Lourenço, Pereira Bastos, Jorge Dias, Augusto Santos Silva, João Pereira Neto, José Gil, Boaventura Sousa Santos, Filomena Mónica, Barry Hatton, Frederico Gonzalez, etc., tornando-se um livro incontornável para quem se interesse pelo desenvolvimento luso.
Creio que o nosso atraso centenário não se deve ao catolicismo, nem ao aleatório da acumulação de más decisões, de reis e políticos, mas sim a uma cultura resultante de longos períodos de despotismo, centralismo e autocracia, ao que se juntará o peso histórico da marginalidade geográfica, da pequenez do país e da baixa produtividade agrícola, nas fundamentais culturas anuais de ciclo longo (devido ao clima).
O catolicismo é, como se viu, muitas vezes culpado pelo nosso centenário atraso e um peso que nos prende ao passado. Penso exatamente o contrário. Não se deve confundir a ética católica com a história do despotismo, não obstante o triste envolvimento da Igreja em, vários, períodos negros do nosso passado.
De facto, para ser hoje cabalmente entendido, o civismo deve ser compreendido como uma atualização da dinâmica ética expressa, inicialmente, pelo valor da comunhão entre os seres humanos. Todas as grandes religiões aqui se alicerçam e o catolicismo não é exceção. Esta dinâmica foi, depois, expressa no valor da liberdade, sobretudo desde o século XVIII, bem como no valor da igualdade solidária, já nos séculos XIX e XX. O valor do civismo relaciona-se com esses outros valores éticos por ser uma liberdade responsável. Isto é, não está restrito a ser um direito mas, pelo contrário, deve ser entendido como um dever de intervenção social. Trata-se, também, de um igualitarismo responsável que exige que cada um faça o melhor no seu trabalho, contribuindo para a sociedade com tudo o que pode. Só assim deverá vir a exigir uma justiça social que deve, imperativamente, evitar assimetrias económicas cuja magnitude vá muito para além do necessário para incentivar cada um a dar o melhor.
O civismo apela para cada cidadão assumir a responsabilidade pelas questões coletivas e comuns, minimizando a delegação para entidades tutelares e aumentado a atenção vigilante sobre todos os centros de poder, fontes, potenciais, de ordem mas, também, de domínio e destruição. Efetivamente, o poder material tende a corromper a ética e a desincentivar o conhecimento.
Creio que o mundo precisa de uma revolução cívica, enquanto reforma de mentalidades e evolução ética, colocando o civismo no centro da ética e dele fazendo decorrer novos valores, como a transparência, a participação cívica, a vigilância informativa, a humildade distanciadora do consumismo, do status social e da vaidade, bem como uma progressividade que ajude evoluções, tecnológicas e sociais, mas que permita o necessário tempo de adaptação. Todos estes valores impelem para novas formas de democracia, economia e cultura, muitas das quais começam a já a avançar em diversas zonas do mundo.
Portugal está tão bem posicionado para o fazer quanto qualquer outro país. Talvez até mais, por ser um país de forte tradição humanista e criativa que enfrenta uma crise sistémica que apela a grandes mudanças. Como se viu, no caso dos saxões e germânicos, certos atrasos culturais podem redundar em grandes avanços civilizacionais.
Esta zona, saxónica e germânica, ficou muito tempo arredada das grandes civilizações, tendo, talvez, mantido mais vivo o espírito cívico e comunitário dos pequenos povoados. Este espírito favorece o trabalho de grupo nas empresas e na democracia. O histórico atraso germânico e saxónico acabou por ser a razão do seu ulterior sucesso. Nas margens do império chinês aconteceram situações semelhantes, juntando-se às exceções que escaparam ao peso das culturas imperiais.
Já Almond e Verba, no seu livro “A Cultura Cívica”, de 1963, identificaram o défice cívico em países latinos. Só muito depois, nos anos oitenta, Geert Hofstede, encontrou uma correlação, estatística, entre atitudes culturais e desenvolvimento económico, tendo sido popularizado pelo seu livro de 1991 – Cultura e Organizações. Mais recentemente, Acemoglu e Robinson, no seu livro de 2013, encontram uma relação causal entre períodos de desenvolvimento da democracia e períodos de desenvolvimento económico. Este tipo de estudos vem juntar-se a vários outros que, no meu entender, apontam em sentido idênticos, como os, bem conhecidos, de Fukuyama (Confiança), Alain Peyrefite (Sociedade da Confiança), Putnam (Capital Social) e Inglehart (World Values Survey).
O livro de Marisa Moura tem, também a virtude, entre várias outras, de recensear vários estudos sobre a especificidade portuguesa, com os de Teixeira de Pascoais, Eça, Ramalho, Eduardo Lourenço, Pereira Bastos, Jorge Dias, Augusto Santos Silva, João Pereira Neto, José Gil, Boaventura Sousa Santos, Filomena Mónica, Barry Hatton, Frederico Gonzalez, etc., tornando-se um livro incontornável para quem se interesse pelo desenvolvimento luso.
Creio que o nosso atraso centenário não se deve ao catolicismo, nem ao aleatório da acumulação de más decisões, de reis e políticos, mas sim a uma cultura resultante de longos períodos de despotismo, centralismo e autocracia, ao que se juntará o peso histórico da marginalidade geográfica, da pequenez do país e da baixa produtividade agrícola, nas fundamentais culturas anuais de ciclo longo (devido ao clima).
O catolicismo é, como se viu, muitas vezes culpado pelo nosso centenário atraso e um peso que nos prende ao passado. Penso exatamente o contrário. Não se deve confundir a ética católica com a história do despotismo, não obstante o triste envolvimento da Igreja em, vários, períodos negros do nosso passado.
De facto, para ser hoje cabalmente entendido, o civismo deve ser compreendido como uma atualização da dinâmica ética expressa, inicialmente, pelo valor da comunhão entre os seres humanos. Todas as grandes religiões aqui se alicerçam e o catolicismo não é exceção. Esta dinâmica foi, depois, expressa no valor da liberdade, sobretudo desde o século XVIII, bem como no valor da igualdade solidária, já nos séculos XIX e XX. O valor do civismo relaciona-se com esses outros valores éticos por ser uma liberdade responsável. Isto é, não está restrito a ser um direito mas, pelo contrário, deve ser entendido como um dever de intervenção social. Trata-se, também, de um igualitarismo responsável que exige que cada um faça o melhor no seu trabalho, contribuindo para a sociedade com tudo o que pode. Só assim deverá vir a exigir uma justiça social que deve, imperativamente, evitar assimetrias económicas cuja magnitude vá muito para além do necessário para incentivar cada um a dar o melhor.
O civismo apela para cada cidadão assumir a responsabilidade pelas questões coletivas e comuns, minimizando a delegação para entidades tutelares e aumentado a atenção vigilante sobre todos os centros de poder, fontes, potenciais, de ordem mas, também, de domínio e destruição. Efetivamente, o poder material tende a corromper a ética e a desincentivar o conhecimento.
Creio que o mundo precisa de uma revolução cívica, enquanto reforma de mentalidades e evolução ética, colocando o civismo no centro da ética e dele fazendo decorrer novos valores, como a transparência, a participação cívica, a vigilância informativa, a humildade distanciadora do consumismo, do status social e da vaidade, bem como uma progressividade que ajude evoluções, tecnológicas e sociais, mas que permita o necessário tempo de adaptação. Todos estes valores impelem para novas formas de democracia, economia e cultura, muitas das quais começam a já a avançar em diversas zonas do mundo.
Portugal está tão bem posicionado para o fazer quanto qualquer outro país. Talvez até mais, por ser um país de forte tradição humanista e criativa que enfrenta uma crise sistémica que apela a grandes mudanças. Como se viu, no caso dos saxões e germânicos, certos atrasos culturais podem redundar em grandes avanços civilizacionais.
autor: José Nuno Lacerda Fonseca
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