sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Reconstruir o Socialismo ou Esquecer o Futuro para Sempre

O EXEMPLO DE LALIBERTÉ

A crise do movimento socialista é uma crise de ideologia e, só depois, uma crise de mobilização para a ação. Foi o vazio ideológico dos partidos socialistas nos últimos 30 anos que nos trouxe a esta difícil situação.
Contudo, creio que em todos os aspetos ideológicos as novas ideias já existem. Infelizmente, encontram-se espalhadas por perto de três dezenas de autores, muitos dos quais nem se reclamam de socialistas.
Talvez a reconstrução socialista, ao contrário da primeira vaga socialista que foi derrotada pela contra reforma neoliberal, não se centre em dois ou três autores e seja, sobretudo, um trabalho de compilação e articulação de várias teorias e autores, em redesenho permanente e rápido.

A reconstrução ideológica deve conter, pelo menos, os seguintes eixos:
1. Uma teoria do valor do trabalho (inexistente desde o abandono da teoria marxista da exploração);
2. Uma teoria de sistema económico (o que é uma economia socialista e quais os meios e fases de transição?);
3. Uma teoria da democracia e do poder (qual a relação entre poder político e poder económico, quais as limitações da democracia parlamentar e quais os contornos de uma democracia socialista?);
4. Uma teoria da cultura (estrutura de valores éticos, de poder e de consumismo e respetivas políticas de promoção da ética);
5. Uma conceção sobre a regulação dos mídia;
6. Uma reflexão sobre as alterações de paradigma que uma sociedade de informação traz aos velhos paradigmas de mercado e de empresa;
7. Uma teleologia, articulando os objetivos últimos da sociedade, do homem e de equilíbrio de valores, com igualdade e liberdade.
8. Uma teoria de crescimento económico, em articulação com os estudos interculturais sobre atitudes, instituições e benchmarking de métodos de trabalho.
Na linha desta tese podemos olhar para a teoria da democracia que hoje tem de se centrar em autores como Schmitter, Fishkin, Crosby, Laliberté e outros que tentam responder à problematização iniciada, em 1957, por Anthony Downs, sobre o défice informativo estrutural da democracia parlamentar.
Olhemos, por exemplo para o recente “Reinventar a Democracia", de Jean Laliberté http://www.septentrion.qc.ca/jeanlaliberte/.

Trata-se de um livro que coloca a tónica das decisões políticas nos grupos temáticos/especializados (temas como saúde, educação, segurança, etc., ou subtemas destes), abertos aos cidadãos que neles queiram participar. Isto é, de facto, o fundamental para uma “democracia semi-direta especializada” que há muito defendemos, tendo, nomeadamente, marcado o início deste blogue.
Contudo, embora perfilhando a centralidade destes grupos especializados, o autor parece não perceber a essência destes grupos e que será o melhor conhecimento das matérias e a repartição pelos cidadãos do trabalho de análise das políticas. Todo o restante sistema político descrito pelo autor pode ser da maneira que ele preconiza ou de várias outras, igualmente boas ou mesmo melhores. O exercício do autor é muito interessante mas perde-se em pormenores, não diferenciado o essencial do acessório. A certa altura, chega mesmo a perder completamente o centro do seu argumento e confere a última palavra deliberativa a uma assembleia nacional (equivalente ao atual parlamento) escolhida por sorteio, depois de uma pré-seleção efetuada pelos tais grupos temáticos.

Em suma, não consegue resolver o grande problema deste tipo de esquemas políticos celulares (decisões tomadas em pequenos grupos auto-construídos) que é a coordenação das políticas, já que para o tentar resolver recorre a uma ideia fraca para o feito, embora com virtudes. Trata-se da referida escolha por sorteio, para escolha dos parlamentares. Infelizmente a probabilidade de 51% serem de uma minoria é considerável) e nada tem a ver com a essência do seu argumento (deliberação em células democráticas especializadas por temas).
Está, também, o livro excessivamente contra os partidos políticos e os “mass media”, não percebendo que estes podem e devem evoluir. Contudo, é o segundo esquema utópico moderno e abrangente que conheço (o outro é o da democracia líquida e só conheço o site e não os autores). Conhecem-se muitos autores académicos que analisam estas questões, de várias perspetivas, desde o seminal Anthony Downs. Conhecem-se, também, muitas experiências práticas de novas formas de democracia (júris de cidadãos, orçamento participativo, assembleias do século 21, etc.) mas este livro é uma grande utopia política que já muito raramente acontece encontrar. Um livro importante para o futuro, apesar das debilidades que, aliás, qualquer livro sempre terá.

autor: josé Nuno Lacerda Fonseca
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