domingo, 30 de janeiro de 2022

A SEGUNDA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA PARA UMA DEMOCRACIA VIVA



Num sistema político e económico em descredibilização crescente, ferido pelas
falhas de informação e de representação, bem como por fortes assimetrias de
informação, entre representado e representante e entre consumidor e
fornecedor, torna-se necessário proceder a uma segunda revolução
democrática. Desde Platão e Aristóteles que as críticas às fragilidades das
democracias são bem conhecidas, existindo, hoje, importantes movimentos de
reforma, como a democracia deliberativa, cognitiva, líquida, direta, complexa,
associativa, eletrónica, neocorporativismo e poliarquia participativa,
protagonizadas por centenas de investigadores e milhares de ativistas. O
enriquecimento do sistema socioeconómico pode ser assistido por uma teoria
geral da organização, no seu aspeto da teoria das transações, sobretudo no
que diz respeito às transações entre grandes grupos sociais, assistidas por
conceitos como representação dinâmica, mercado cidadão, divisão técnica das
deliberações coletivas, entre outros que serão a seguir apresentados.
Seguidamente, listam-se algumas das possíveis inovações, de forma muito
sintética, apenas como exemplo da diversidade das possibilidades de
enriquecimento que hoje se abrem às sociedades de inovação.

MELHOR INFORMAÇÃO

 Corporativismo Aberto e Cognitivo - Fóruns deliberativos, decidindo
sobre questões estratégicas dos países, sectoriais e temáticos, abertos a todos
os cidadãos que provem o mínimo de conhecimento sobre o tema em análise,
privilegiando a continuidade dos seus membros e respetiva acumulação de
conhecimentos específicos, diferenciando entre duas subcâmaras em cada um
destes fóruns, a da componente de representação corporativa e a do público
utente e consumidor. Cada câmara com possibilidade de múltiplas subdivisões
temáticas, num corporativismo dinâmico.
 Mercado Cidadão - Os cidadãos escolherão a que fórum ou fóruns
pertencer, especializando-se nos respetivos assuntos, podendo mudar para
outros em que sintam existir um défice de qualidade que, indiretamente,
enquanto cidadãos comuns, os está a afetar negativamente, criando assim um
equilíbrio geral. Cria-se assim também uma democracia especializada e uma
divisão técnica do trabalho político entre os cidadãos, deixando de existir
apenas um trabalho eleitoral massificado.
 Representação Dinâmica – O paradigma da representação política fica
alterado profundamente, já que grupos de cidadão decidem sobre assuntos
sem qualquer mandato expresso dos outros, sendo subentendido que existe
um mandato automático que qualquer cidadão pode avocar passando a
integrar um fórum que deixou de merecer a sua confiança.
 Mapas Dinâmicos do Conhecimento - Explicitando os temas, subtemas e
consequentes subdivisões do saber, referenciado autores e suas ideias
fundamentais. Os mapas devem permitir a navegação em diversos níveis de
profundidade. Será nova obrigação dos Estados que deve incorporar visões
contraditórias.

 Educação Obrigatória ao Longo da Vida – Numa democracia e
sociedade de inovação tecnológica, o nível desta é grandemente determinado
pelo nível de conhecimento dos cidadãos. Numa sociedade inovadora, de
rápida mutação e grande produção de conhecimento, a educação permanente
torna-se indispensável, para evitar profundos desequilíbrios e ruturas,
nomeadamente credenciando políticos e cidadãos.
 Benchmarking Sistémico – No sentido de promover uma híper
competição que seja pedagógica e não destrutiva, é necessário que as
melhores práticas, políticas, sociais, económicas, a nível mundial, sejam
rapidamente difundidas, compensando devidamente os seus criadores.
 Voto Cognitivo – Em certas situações e sempre que possível ponderar
os votos em função do conhecimento que cada um tem sobre as matérias, com
apoio especial para aqueles com mais dificuldade de acesso ao saber.
 Câmaras Contraditórias de Especialistas – A existência de câmaras de
especialistas em cada disciplina, sector e tema de governança, coloca-se
quase de forma análoga à das câmaras corporativas, assegurando-se aqui
contradição entre subcâmaras com perspetivas teóricas antagónicas.
 Comunicação Social Contraditória – Cada órgão de comunicação social
deve identificar-se com uma força política, ultrapassando a ilusão da
neutralidade. Todavia, deve conter em si um espaço para a expressão de
visões contrárias, oriundas de meios afetos a outras forças políticas e de outras
fontes institucionais.

MELHOR COGNIÇÃO

 Inovacracia –A orientação da investigação cidadã, sobre a possível
evolução dos sistemas de governança, deve ser um dos objetivos das novas
instituições de governança, como os fóruns corporativos.
 Elevador da heterodoxia – O apoio à divulgação de movimentos culturais
e políticos deve ser tanto maior quanto mais recentes, desde que obtenham o
mínimo de envolvimento popular, como no caso de criação de novos partidos
políticos.
 Racionalidade Democrática - Votações com grandes fraturas e divisões
devem por norma ser objeto de um esforço de negociação e procura de
consenso o mais alargado possível, reservando-se para tal um período
razoável e dissuasor de grandes divisões. Tal só é, geralmente, possível com
um nível de profundidade de análise e disponibilidade advindo, nomeadamente,
da democracia especializada, atrás referida.
 Democracia Psicológica – Preconceitos, traumas, escapismos, ficções,
mecanismos de defesa, rotinas, mitos e alienações constituem alguns dos
conteúdos que impedem a racionalidade e a criatividade. Uma mitanálise que
equacione todos estes fatores, numa perspetiva de psicologia social e
psicoterapia de massas, constitui um conhecimento fundamental, para que
cada um identifique os seus constrangimentos, receios e rigidez e se possa
libertar para a verdade, em diálogo criativo e construtivo. Técnicas mentais e
experienciais que nos possam fazer esquecer as nossas vantagens e
competências específicas ou períodos executando outras profissões, em
situação de fragilidade, são, também, importantes para a ultrapassagem dos

mitos e a capacidade de vermos a perspetiva dos outros indivíduos, abrindo
para a imersão ética do respeito mútuo. Por outro lado, a obsessão pelo poder,
nas suas diversas formas, enquanto meio de aceso prioritário a bens
essenciais eventualmente escassos é, cada vez menos racional, devido a uma
sociedade com progressiva maior capacidade produtiva e capacidade
prospetiva contra possíveis disrupções. Adicionalmente, a diminuição da
obsessão pelo poder pode resultar do desenvolvimento de filosofias sexo-
afetivas, mapeando todas as possibilidades relacionais, propiciando a
compreensão serena dos instintos, necessidades sociais e tabus,
eventualmente amplificando padrões de atratividade física e usando
tecnologias virtuais, desenvolvendo culturas eróticas, românticas e de
sublimação. Esta redefinição da relação com o poder permitiria libertar tempo e
facilitar a racionalidade nas questões sociais e humanas.
 Conselho Distal - Constituindo parceiro legislativo, em que os seus
membros são escolhidos vitaliciamente e remunerados em função da evolução
a muito longo prazo dos indicadores de progresso social. A escolha destes
membros deve ser feita mediante negociação entre várias instituições públicas
e associativas.
 Elevador de ideias – Precisa-se dum sistema em que os cidadãos e
membros das organizações em geral apresentem as suas ideias e que estas
possam ser selecionadas, para futuro desenvolvimento, nomeadamente por
votação dos pares, envolvendo votações, em escadaria, com cada vez mais
pares.

MELHOR REPRESENTAÇÃO

 Constituição Informacional - Constituição e cartas informacionais, onde
ficam definidos os indicadores objetivos por onde se pode aferir o sucesso das
governações, nos seus diversos níveis, incluindo os administrativos.
 Democracia Líquida Cognitiva – Para além de sistemas atrás referidos
de representação dinâmica, podem ser instituídos sistemas de delegação
direta, nas quais um eleitor designa quem o deve representar em cada tema,
como tem sido proposto na atualidade, sem, todavia, massificar esta delegação
evitando perder a ligação pedagógica.
 Democracia da fragilidade – trata-se de discriminação positiva na
representação política, através do especial apoio à expressão dos que estão
limitados para o fazer no espaço público, por debilidades de conhecimento,
educação ou saúde, dificuldades organizativas, por sofrerem o efeito de
preconceitos marginalizadores ou pela sua grande diferenciação em relação às
massas. Este apoio pode expressar-se de diversas formas, sobretudo de
organização e desenvolvimento cognitivo e cultural, mas também pode incluir
uma ponderação superior dos votos em certas circunstâncias. Por exemplo,
não deve uma sociedade que assume a luta conta a pobreza ponderar mais os
votos dos mais pobres, devidamente informados e resguardados da compra de
votos?
 Vencimento de Incentivo – Dito habitualmente “performance related
pay”. Todos os representantes públicos terem parte importante do seu
vencimento indexado a resultados, pré-contratualizados e objetivamente

avaliáveis, considerando o longo prazo. Devido à complexidade dos
indicadores envolvidos, este sistema exige considerável investigação e projetos
piloto. Na mesma linha de ideias, os responsáveis por um sistema público não
poderiam usar o sistema privado, como na educação e saúde.
 Meta democracia – A votação sobre as regras gerais, de caráter mais
elevado, que regem o funcionamento das instituições, podem ser submetidas a
sufrágio universal, já que assim fica limitado o campo de estudo e análise dos
eleitores. Todavia, instrumentos complexos de prospetiva e cenarização terão
de estar envolvidos, nomeadamente na investigação e numa câmara
especializada, aberta aos cidadãos, que vota previamente estes projetos e
intervém no seu debate. Uma cultura de Democracia Crítica deve ser
disponibilizada ao cidadão, deixando claro quais são as fragilidades, pontos
fracos e fortes de todas as instituições e processos de governança.
 Partidos Filosóficos – Partidos alicerçados em filosofias sociais e
existenciais, organizando-se em cascata concetual até esta desembocar em
programas e legislação, incluindo perspetivas críticas e linhas de evolução dos
sistemas socais a muito longo prazo e o mais concretas possível.
 Governações Simultâneas – Nas quais a oposição vencida gere um
orçamento importante, facilitando a comparação de performances com os
vencedores das eleições;
 Representações Estatísticas - Nos órgãos representativos os diversos
estratos de nível de rendimento estarem representados por representantes com
as mesmas características do que aqueles que representam. Outras
caraterísticas, que não o nível de rendimento, podem ser consideradas.

CONCLUSÃO

Depois desta listagem, simplista, dalgumas possibilidades de enriquecimento
do sistema, interessa não subvalorizar várias outras já mais antigas, mas ainda
algo inexploradas como a descentralização, petições, etc.
Em suma, trata-se de equacionar um enriquecimento institucional a exigir
projetos piloto, investigação, inovação, avaliação, precaução e progressividade.
Esta multiplicidade de novas instituições constitui um quadro de meta
competição, interinstitucional e entre sistemas de países diferentes, Assim
modificam a sua natureza, evolução e alcance, criando uma multicracia, de
equilíbrios e vigilância mútua, diversidade de pontos de vista e conhecimentos,
bem como de redundância e, sobretudo, competição entre as instituições,
ocasionando um clima de evolução e metamorfose continua de todas as
instituições e ocasionando novas, numa democracia viva, correspondendo a
uma sociedade de inovação e mudança constante.

José Nuno Lacerda Fonseca
Caldas da Rainha, 08/12/2021

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