Este artigo pretende descrever (sumariamente) e questionar as três tendências pedagógicas que influenciaram (e continuam a influenciar) a educação e formação nos países centrais e periféricos, para além de problematizar as relações que se poderão tecer (ou não) entre pedagogia e ideologia.
Até ao presente existem três modos de trabalho pedagógico (Marcel Lesne, 1977), a que correspondem vastas tendências pedagógicas, e que marcam processos de socialização nas instituições educativas públicas e privadas. No contexto educativo (formativo) a socialização ocorre quando um sujeito adquire um determinado saber e este contribui para a constituição e reconstrução de uma determinada identidade onde interagem distintos factores (culturais, sociais, políticos e económicos).
Até ao presente existem três modos de trabalho pedagógico (Marcel Lesne, 1977), a que correspondem vastas tendências pedagógicas, e que marcam processos de socialização nas instituições educativas públicas e privadas. No contexto educativo (formativo) a socialização ocorre quando um sujeito adquire um determinado saber e este contribui para a constituição e reconstrução de uma determinada identidade onde interagem distintos factores (culturais, sociais, políticos e económicos).
Lesne (1977) sistematizou os três modos de trabalho pedagógico da seguinte forma: (i) transmissivo e de orientação normativa; (ii) incitativo e de orientação pessoal; (iii) apropriativo e centrado na inserção social. O modo de trabalho pedagógico (i) educa para a reprodução, submissão e obediência a normas políticas, económicas e sociais existentes (pedagogia tradicional articulada em primeiro lugar à disseminação dos valores do Estado Nação, reconvertida agora na liberdade de escolha educativa). O modo de trabalho pedagógico (ii) educa actores em constante adaptação, o seu discurso e comportamento é convertido e reconvertido nos espaços estruturais onde se encontra, transformando-os (ou não) dependendo das influências que conseguiu mobilizar (pedagogias que sintetizam, de forma ambivalente, o humanismo de Carl Rogers e o pragmatismo de John Dewey). O modo de trabalho pedagógico (iii) educa agentes aptos a transformar os espaços estruturais onde se movem, conscientes que em todos os espaços estruturais se tecem relações de saber e poder (pedagogias devedoras tanto da obra de Paulo Freire, entre o marxismo e teologia da libertação, como da obra de Ivan Illich, um sacerdote anarquista ).
Diríamos então que existem três posições aparentemente distintas, relativamente às relações que se devem construir entre pedagogia e ideologia, pois os praticantes ou defensores do modo (i) defendem que o conhecimento deverá ser transmitido de forma objectiva e cumulativa e neutral e que as ideologias pertencem apenas ao campo da política. Os defensores do modo (ii) assumem uma posição mais pragmática e defendem que os indivíduos deverão adquirir competências e ter uma relação instrumental com o conhecimento, isto é tudo depende dos seus interesses. Finalmente os defensores do modo (iii) sustentam que o educador deverá desocultar o conhecimento veiculado pelos currículos e problematizá-lo, uma vez que um modelo epistemológico reproduz um modelo societal .
O actual contexto económico-político-social questiona amplamente as distintas narrativas pedagógicas, enumero de seguida algumas das suas contradições.
Se uma tendência ideológica mais marcadamente liberal clássica pretende reinventar as pedagogias tradicionais (i) argumentando que os males nacionais advêm da falta de qualificação dos actores políticos e da população em geral, aparentemente parece não considerar pelo menos um argumento que a contradiz, é que a debilidade da qualificação de uma grande percentagem da população também deverá ser imputada às práticas pedagógicas de influência marcadamente tradicional e conservadora. Será então que tal pedagogia não se deverá defrontar com as taxas de exclusão ou/e de abandono escolar antes e pós 25 de Abril e com as resistências que ajudou a construir nos discursos teóricos, políticos ou práticas? Se uma tendência ideológica mais marcadamente neoliberal ou terceira via valoriza (ii) as políticas públicas das “Novas Oportunidades” assinalando os objectivos de reparação social e as metas de qualificação e a reconstrução de narrativas pessoais e profissionais para inclusão dos seus públicos em novas oportunidades laborais, não deverá ser confrontada com a irrelevância que atribui à componente cívica e aos desperdícios educativos que proporciona? P.e. devido à sua lógica imediatista e de valorização de metas em detrimento da oportunidade qualitativa de educar pais e cidadãos? Ou será que reduzir a educação a metas quantitativas e ignorar as diferenças nacionais e europeias não significará que estamos perante o desconhecimento da realidade educativa nacional e que os decisores políticos estarão pouco preparados para negociar seriamente uma solução educativa que sirva os interesses do país? Se uma tendência ideológica mais marcadamente radical vê nos espaços de educação e formação uma oportunidade (iii) para formar agentes activos nos diversos espaços estruturais será que está consciente da influência da tradição na formação das mentalidades nacionais? Será que face às resistências dos indivíduos aos assuntos da política (cidadania) adoptará uma posição de desencanto, pois não percebeu que dotar os indivíduos de uma educação de base relevante já é por si só uma posição política?
Diríamos então que existem três posições aparentemente distintas, relativamente às relações que se devem construir entre pedagogia e ideologia, pois os praticantes ou defensores do modo (i) defendem que o conhecimento deverá ser transmitido de forma objectiva e cumulativa e neutral e que as ideologias pertencem apenas ao campo da política. Os defensores do modo (ii) assumem uma posição mais pragmática e defendem que os indivíduos deverão adquirir competências e ter uma relação instrumental com o conhecimento, isto é tudo depende dos seus interesses. Finalmente os defensores do modo (iii) sustentam que o educador deverá desocultar o conhecimento veiculado pelos currículos e problematizá-lo, uma vez que um modelo epistemológico reproduz um modelo societal .
O actual contexto económico-político-social questiona amplamente as distintas narrativas pedagógicas, enumero de seguida algumas das suas contradições.
Se uma tendência ideológica mais marcadamente liberal clássica pretende reinventar as pedagogias tradicionais (i) argumentando que os males nacionais advêm da falta de qualificação dos actores políticos e da população em geral, aparentemente parece não considerar pelo menos um argumento que a contradiz, é que a debilidade da qualificação de uma grande percentagem da população também deverá ser imputada às práticas pedagógicas de influência marcadamente tradicional e conservadora. Será então que tal pedagogia não se deverá defrontar com as taxas de exclusão ou/e de abandono escolar antes e pós 25 de Abril e com as resistências que ajudou a construir nos discursos teóricos, políticos ou práticas? Se uma tendência ideológica mais marcadamente neoliberal ou terceira via valoriza (ii) as políticas públicas das “Novas Oportunidades” assinalando os objectivos de reparação social e as metas de qualificação e a reconstrução de narrativas pessoais e profissionais para inclusão dos seus públicos em novas oportunidades laborais, não deverá ser confrontada com a irrelevância que atribui à componente cívica e aos desperdícios educativos que proporciona? P.e. devido à sua lógica imediatista e de valorização de metas em detrimento da oportunidade qualitativa de educar pais e cidadãos? Ou será que reduzir a educação a metas quantitativas e ignorar as diferenças nacionais e europeias não significará que estamos perante o desconhecimento da realidade educativa nacional e que os decisores políticos estarão pouco preparados para negociar seriamente uma solução educativa que sirva os interesses do país? Se uma tendência ideológica mais marcadamente radical vê nos espaços de educação e formação uma oportunidade (iii) para formar agentes activos nos diversos espaços estruturais será que está consciente da influência da tradição na formação das mentalidades nacionais? Será que face às resistências dos indivíduos aos assuntos da política (cidadania) adoptará uma posição de desencanto, pois não percebeu que dotar os indivíduos de uma educação de base relevante já é por si só uma posição política?
Concluindo, será que os defensores de qualquer um dos modos de trabalho pedagógico estarão suficientemente preparados para as resistências ao conhecimento, ao civismo, à cidadania? Será que estarão conscientes da realidade educativa dos seus pais, avós, vizinhos? Será que terão consciência que existem indivíduos que pretendem apenas consumir informação e adquirir competências? Ou que não possuem educação de base suficientemente capaz de os dotar de capacidades mínimas para sobreviver em contextos que lhe são adversos, para além dos que exibem um basismo confrangedor, um autoritarismo subjectivo e manipulador? Será que percepcionam que os contextos formativos não são imunes a necessidades, apetências, desmotivações, emoções, prazeres imediatos, desprazeres, etc.? E será que alguém mandatou seja quem for para o exercício do pior dos paternalismos, seja ele de esquerda ou de direita, isto é aquele que rotula, ofende, desqualifica e tece opiniões valorativas, subjectivas e irrelevantes e ajudam a sedimentar um discurso negativista e generalizador sobre crianças, jovens e adultos?
Será que…?
autora: Vera Carvalho
Confesso que me perdi um pouco no raciocínio, no entanto são vários os apontamentos interessantes deste texto da Vera.
ResponderEliminarApesar de concordar com muito do que se diz, não corroboro que as "Novas Oportunidades" sejam de tendência Neoliberal ou sequer de 3ª via. Até porque são programas com recursos estatais destinados a prestar um serviço que garante igualdade de oportunidades. Na minha opinião as Novas Oportunidades são verdadeiras medidas de esquerda. Outro aspecto que Vera refere sobre as Novas Oportunidades e que discordo é a sua suposta falta de pendor cívico. Acho que o programa é exactamente o contrário quem passa por este programa sai reforçado cívicamente e portador de uma cidadania muito mais informada cidadania, que pode resultar numa mais activa.
Olá Micael, nos primeiros parágrafos (2-3) pretende-se explicar o que são os três modos de trabalho pedagógico que Lesne (1977) propõe. No §4 as ligações possíveis entre pedagogia e ideologia. Contradições entre os distintos modos pedagógicos, a realidade nacional e as ideologias e algumas conclusões muito sumárias.
ResponderEliminarEu sou uma apologista das "Novas Oportunidades" que poderá conter no seu seio professores/formadores que pratiquem os três modos de trabalho pedagógico. Estava só a chamar a atenção de que nalguns casos o programa pode assumir contornos mais profissionalizantes e menos cívicos. O que para mim é um desperdício de uma grande oportunidade. Se calhar não fui muito feliz na explicação, mas foi a possível. Obrigada pelo convite,
Vera
Parece-me que no meio estará a virtude, entre um modo mais crítico-criativo e outro mais emulador-memorizador. Onde é que no concreto fica esse meio é q acho q ninguém sabe. josé lacerda fonseca
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