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quarta-feira, 22 de junho de 2011

Os Valores da Esquerda Democrática - a análise e resumo de uma obra de introdução ao Socialismo Democrático

Augusto Santos Silva é sem dúvida um reconhecido pensador nacional do Socialismo Democrático. Mesmo para quem não conhecesse essa sua faceta, tal torna-se evidente na obra "Os valores da Esquerda Democrática - Vinte Teses Oferecidas ao Escrutínio Crítico". Nem que fosse só pelo título, o mínimo que poderia fazer aqui no blogue era dedicar-lhe um texto, pois as palavras dessa obra são seguramente parte da nossa cultura socialista. 
Começo desde já por afirmar que considero o título muito feliz, por várias razões. Para já evita qualquer referência partidária e deixa, bem evidente, que se trata de um ensaio passível de ser criticado - o que revela já uma posição ideológica de liberdade ao admitir o contraditório, e que isso é uma mais-valial pelo revisionismo que possibilita.
Como seria de esperar e inevitável, a obra em causa, que é um misto de ensaio e opinião, transparece alguma subjectividade e o cunho pessoal do autor, o que tem vantagens e desvantagens. Nestes casos o reafirmar da abertura para a crítica é mesmo a única opção intelectual aceitável, até porque é uma atitude democrática.
Vamos então às teses propriamente ditas, sendo que tentarei fazer um pequeno resumo do que me parece mais relevante da obra, tendo isso como objectivo aguçar a curiosidade e a vontade para que leiam a obra na integra. Se a opinião se apropria à crítica, a opinião da opinião abriga a uma predisposição para a crítica ainda maior, por isso estas minhas palavras merecem todas e quaisquer críticas já à partida.

O essencial
Em jeito de introdução Santos Silva assume que o essencial da Esquerda Democrática assenta numa composição de valores do tipo "estrela de cinco pontas: liberdade, igualdade justiça, colectividade, diferença." (pp.102).

Liberdade e igualdade
A obra centra-se muito na Liberdade. A Liberdade é para Santos Silva um dos bens mais preciosos, o que o leva a coloca-la [a liberdade] num nível superior à igualdade, ou seja "não se aceita sacrificar a liberdade em nome da igualdade" (pp.20), mas que "Igualdade e Liberdade são, uma da outra, contrafortes" (pp. 20). A relação, por vezes difícil, entre estes dois valores é assumida pelo autor como um dos principais dilemas da Esquerda Democrática. Tal relação, que por vezes se torna paradoxal, seguramente já assaltou muitos outros pensadores, sendo que, de uma perspectiva do Socialismo Democrático, há que manter um equilíbrio humanista destas duas vertentes, pois facilmente se cairá demasiado para a esquerda ou para a direita  quando essa conjugação se desequilibrar.

O Estado
O papel do Estado é aqui alvo de reflexão também. Santos Silva refere que, desde o início das lutas sociais contra a opressão do Antigo Regime o Estado muito mudou. Hoje o Estado pode ser o garante dos valores da liberdade e da defesa dos interesses sociais de toda a comunidade, e não só das elites. Segundo a visão da Esquerda Democrática, o Estado, com a sua capacidade interventiva pode ser um justo garante da igualdade de oportunidades com máxima liberdade, evitando a igualdade repressiva dos Estados Totalitaristas de Esquerda e a incapacidade e falta de meios de intervenção dos Estados mínimos de Direita Neoliberais.

Dissidência e contraditório
 O Autor afirma que: "amar a liberdade é também valorizar a dissidência" (pp. 39). A capacidade nata da Esquerda Democrática em procurar múltiplos pontos de vista e opiniões é, quanto a mim, uma das suas maiores forças. Permite reconstruir-se da multiplicidade para construir o futuro. A sua capacidade reformista é aquela que torna também esta Esquerda positiva, pois acredita e luta, reformando-se através da crítica interna, externa e do aprender - até porque é uma ideologia que se demarca contra o obscurantismo e defende os valores e conhecimentos científicos -, que o mundo pode ser mudado e alterado gradualmente, com os esforços do colectivo, tendo como estandarte a liberdade individual.
 
Economia e Mercados
No que toca a posição face aos Mercados o autor demonstra, quanto a mim, uma abertura um tanto ou quanto excessivamente "liberal", ou leiam-se as suas palavras: "A esquerda valoriza o mercado, enquanto sistema descentralizado de informação e troca, baseado na ocorrência de múltiplas interacções e no seu efeito agregado e, por aí, com alguma capacidade auto-reguladora" (pp.69). No entanto, o autor refere que a "alguma capacidade  de regulação" dos Mercados se refere apenas aos não financeiros.  Neste ponto, pessoalmente, não posso concordar inteiramente com Santos Silva, a não ser que tenha percebido mal as suas palavras. Neste preciso momento histórico de crise e de uma falta de estratégia e de regulamentação para os Mercados, referir, ainda que levemente, "a mão invisível" - segundo Adam Smith - que regula e optimiza os mercados - não me parece adequado, embora se deva aproveitar os benefícios do capitalismo, regulando-o.

Laicidade e Religião

Santos Silva foca também a religião. Refere com toda a convicção que a Esquerda Democrática se opõem aos "projectos teocráticos"; defende a laicidade, pluralismo e liberdade religiosa.  Apesar disto o autor defende, tendo em conta o pluralismo, que se deve reconhecer o papel social e cultural das religiões. Neste aspecto penso que entramos na mesma ténue fronteira que pode desequilibrar os sistemas de valores, tal como no caso da liberdade/igualdade. Quanto a mim, os apoios às religiões não devem ser papel da Esquerda Democrática, pois corre-se o risco de colocar em causa a laicidade e liberdade religiosa. No entanto, há que reconhecer que há seguramente religiões responsáveis por muitas valências e benefícios para as comunidades e indivíduos.

Progressismo
O progressismo é outra das vertentes reforçadas por Santos Silva ao afirmar que "a Esquerda Democrática é pela mudança, vê a transformação como um aspecto positivo da evolução, acredita na história como um aspecto positivo da evolução, acredita na história como dinâmica" (pp.83). Apesar disso o autor refere que não pode a Esquerda Democrática enveredar por processos revolucionários tecnocráticos ou de engenharia social pré-definidos, tendencialmente não democráticos e humanistas.

Relações Internacionais
No que toca às relações internacionais, o autor assume que, apesar da diplomacia ter de ser muito importante, nunca deve a Esquerda Democrática renegar aliados e a força militar em defesa dos ideias democráticos, assumindo isso como uma dose de "realismo".

Socialismo é uma Cultura

Muito a propósito aqui do blogue, e não por acaso a meu ver, no livro o autor afirma "que o socialismo é uma cultura" (pp.106).

Significado conciso do Socialismo Democrático
Por fim, mais uma citação Santos Silva na sua obra que serve de súmula para o próprio significado do Socialismo Democrático, algo que se poderia caracterizar como: "se deve beneficiar; incluir; integrar; honrar todos, em função, não de privilégios exteriores ao seu ser e agir-aqui - o nascimento, a herança, a parentela, o estado... - mas sim em função dos méritos associados ao labor-aqui" (pp.110).

Termino assim este longo resumo e abordagem a esta verdadeira obra introdutória do Socialismo Democrático. Penso que se trata de uma obra contemporânea obrigatória  para quem se quer iniciar no estudo desta corrente ideológica, para o estudo e compreensão do Socialismo Democrático.

autor: Micael Sousa

3 comentários:

  1. Por acaso não fizeste uma lista das 20 teses?
    zé nuno

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  2. Não foquei todas as 20, pois ficaria extenso demais e impróprio para se ler neste formato. Limitei-me a citar aquilo que me pareceu mais relevante. No entanto posso colocar aqui como comentário as título das 20 teses.

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  3. Para complemento do texto, aqui ficam as 20 teses de Augusto Santos Silva:

    1 - A dicotomia entre esquerda e direita é o operador mais eficaz para começar a caracterizar e distinguir correntes políticas.
    2 - O centro não existe sozinho; mas existe.
    3 - Para além da oposição entre esquerda e direita, o mapa político também se organiza segundo outras clivagens: entre democratas e autoritários, progressistas e conservadores, moderados e extremistas, cosmopolitas e isolacionistas.
    4 - Os valores básicos da esquerda democrática são a liberdade, a igualdade, a justiça a colectividade e a diferença.
    5 - A esquerda democrática parte da liberdade para a igualdade.
    6 - A esquerda democrática sublinha a dimensão redistributiva da justiça.
    7 - A esquerda democrática questiona a justiça da ordem do mundo.
    8 - A esquerda democrática acrescenta à república o sentido da solidariedade colectiva.
    9 - O cosmopolitismo da esquerda democrática articula relatividade e universalismo.
    10 - Os valores da esquerda democrática contrastam com os valores do pensamento conservador.
    11 - Por seu lado, o pensamento conservador desconfia radicalmente da constelação de valores típica da esquerda democrática
    12 - Mas a esquerda democrática também se opõe à esquerda conservadora e direita liberal.
    13 - A antropologia da esquerda democrática é humanista, racionalista, pró-activa e optimista.
    14 - As correntes políticas aprendem entre si.
    15 - Do diálogo com a direita, a esquerda democrática aprendeu a revalorizar o mercado, o laço social e a segurança.
    16 - A esquerda democrática destaca, na atitude centrista, a limitação do poder; a aceitação da complexidade, a abertura, o compromisso e a moderação.
    17 - O diálogo entre as esquerdas enriquece a abordagem dos temas pós-materialistas, da liberdade subjectiva, da participação, do desenvolvimento sustentável e da luta contra a exclusão.
    18 - A esquerda democrática é uma disposição: para ser radical, realista, moderada, cosmopolita, performativa.
    19 - A esquerda democrática é uma cultura.
    20 - A esquerda democrática é uma linguagem.

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