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terça-feira, 24 de maio de 2011

Números e factos

Diz-se que um dos indicadores mais fidedignos da maturidade democrática de um país está na forma como estão organizadas e disponíveis as suas estatísticas oficiais. Em Portugal, o Instituto Nacional de Estatística tem desempenhado essa missão com independência bastante, pautando a sua actividade pelo rigor científico de acordo com normas internacionalmente consensualizadas. Recentemente, foi editado pelo INE o Anuário Estatístico de Portugal de 2009, em versão digital e em suporte de papel, que constitui um manancial de informação relevante para quem quer observar sob frieza inequívoca dos números a situação do país e as causas da situação em que vivemos, para além da voracidade mediática que ofusca a serenidade das análises. Só os factos indesmentíveis sintetizados em séries detalhadas de dados objectivos nos permitem reflectir acerca das tendências de médio prazo e, assim, fundamentar adequadamente as opiniões.
A páginas 204 e seguintes do referido Anuário, é tratada a questão da Protecção Social ou, se preferirem o Estado Social.  Lemos que, em 2008 em Portugal, à semelhança dos quatro anos anteriores, as receitas de protecção social foram superiores às despesas ( saldo de 2.106,7 milhões de euros) o que equivale à constatação da sustentabilidade do sistema que cobria as várias despesas sociais cifradas em 39 850, 5 milhões de euros, apesar de se ter verificado um aumento de 4,3% face ao ano anterior. Mas, com o alastramento da crise mundial em 2009, perante a qual Portugal revelou óbvias fragilidades estruturais, foi necessário implementar  medidas  excepcionais de apoio aos mais carenciados, ou seja, um plano de reforço das funções sociais do Estado, onde avultaram os mais 442 milhões de euros de subsídios de desemprego ou o aumento de 11% das prestações familiares em relação ao ano de 2008. O que atrás cito, a título de exemplo, reforça a ideia de que o governo português agiu, a nível social, quando e onde era legítimo e necessário fazê-lo, fazendo funcionar os mecanismos de um Estado solidário aliás incitado, nessa época, pela União Europeia, pelo que, neste ponto concreto, é absolutamente injusta a crítica de gestão pública leviana ou incoerente. Mas se continuarmos a percorrer o Anuário Estatístico publicado pelo INE, encontramos dados organizados que nos revelam que de 2003 a 2008 se registou uma redução de 17 p.p. na proporção de indivíduos em risco de pobreza e um encurtamento das distâncias entre a população com maiores rendimentos e os que auferiam menores rendimentos, reforçando a ideia de que o Estado estava a cumprir com a sua obrigação solidária e que a distribuição da riqueza revelava consistente progresso. Observe-se, agora, a situação da Educação onde ressalta o facto de que nos últimos 10 anos se verificar um acréscimo de quase 54 mil alunos do Pré-escolar, indicador de uma taxa nacional de pré-escolarização de 83,4% articulada com o alargamento da rede pública de jardins de infância. Nos 3 ciclos de ensino seguintes a tendência foi similar com aumento de cerca de 30% de estudantes e o recuo significativo do abandono precoce. Mas, neste sector, o avanço mais significativo foi no ensino profissional público com mais de 50.000 alunos em 2008/2009 a frequentarem essa via de ensino do que no ano lectivo 2005/2006! Absolutamente notável no combate por melhores qualificações e consequentemente na alteração do paradigma produtivo do país !
Esta caminhada positiva no desenvolvimento do País foi travada, em 2009 e 2010, pelas consequências do “tsunami económico-financeiro” que todos conhecemos. O ataque especulativo ao euro, a emergência de atitudes fragmentárias na Europa perante a crise da dívida soberana, a fragilidade estrutural do País a par de alguma incapacidade de previsão inverteram a tendência atrás verificada. No ano de 2009, ainda segundo o Anuário Estatístico do INE, registou-se a variação negativa mais intensa do PIB desde 1995, o mesmo se verificando na fortíssima redução do investimento. Se, porventura, juntarmos a esta conjuntura económica nefasta as condições meteorológicas adversas ocorridas em 2009, que prejudicaram o normal desenvolvimento das searas conduzindo a diminuições tanto nas superfícies semeadas como nos resultados alcançados na produtividade ( numa época de alta internacional de preços alimentares) podemos concluir que seria difícil a um pequeno país como Portugal resistir melhor a tantos e tão fortes impactos.

Os números e os factos não enganam e ajudam a esclarecer, sem retórica demagógica, a matriz de esquerda das políticas que foram implementadas no reforço do Estado Social. É isso que a história longa vai reter.

autor: Pedro Melo Biscaia

4 comentários:

  1. Carissimo,
    Faço link.
    Obrigado.
    Abraço.

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  2. Eu li e encontrei bastante retórica demagógica, lamento informar.
    Em primeiro lugar, o Estado Social não funciona como uma empresa à procura de superavite, ou seja, as receitas não deviam ser maiores que a despesa. Isso significa que o Governo do Sócrates tem estado a usar o Estado Social, e aumentando as contribuições, como veículo de angariação de dinheiro para outros fins que não a protecção social. Resumindo, é má gestão pública, só para não dizer pior.

    Em segundo lugar, as razões usadas no texto para desculpar o fracasso do governo e a falência do Estado são muito demagógicas:
    1) Ataque especulativo ao euro? Pois no ínicio deste mês bateu um valor histórico de 1,49 dólares, o que é demasiado bom tendo em conta o estado europeu actual.
    2) Emergência de atitudes fragmentárias na Europa?? Essa emergência é causada pela má gestão do nosso Estado!! Não foi ao contrário!!
    3) Alguma incapacidade de previsão??? Pois, o Medina Carreira já dizia que isto ia acontecer em 2005 e que é uma conclusão a que se chega em 10 minutos de somas e subtracções: http://economia.publico.pt/Noticia/medina-carreira-alerta-para-perigo-da-falencia-do-estado-ate-2015_1226919

    Conclusão:
    - Há dois caminhos que podes tomar:
    1) Seguir a linha que pareces estar a seguir, que é por via do espírito crítico (que falhaste, mas também ninguém acerta sempre), e portanto, chegarás à conclusão que é inaceitável que um governo que leve um país à bancarrota seja reeleito. Simplesmente inaceitável. Qualquer outro partido é mais credível que o PS, este momento. E sem dúvida que é por culpa do Sócrates e a sua equipa, porque o PS tem lá muito boa gente.
    2) Vais levar esta resposta a mal e ainda vais ficar mais enraivecido com quem critica o Sócrates. A raiva cega o tal espírito crítico e o orgulho vai-te levar a votar no Sócrates.

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  3. Ricardo, pelo menos tratar o Pedro por você não ficava mal, eu próprio, que o conheço, por respeito pessoal e intelectual, não o consigo tratar pela segunda pessoa.

    Faço o meu comentário ao que refere Ricardo, o mais objectivo que puder ser.

    O que precisamos verdadeiramente é de boa retórica e demagogia – demagogia significa ensino do povo, e sem dúvida que o povo precisa de que lhes seja prestada informação de qualidade.
    Falando nos défices. No caso do reforço do Estado Social em situação de crise é possível de fazer um paralelismo com as empresas. Ou seja, se as empresas precisam de financiamento, a crédito, para investimentos – uma boa prática desde que sustentável. No caso das crises sociais é exactamente igual, reforça-se o Estado Social para responder a essa crise, para fazer subir os limiares de pobreza de modo a que, quando a economia recuperar e tal apoio não for necessário, os tais investimentos poderem ser “pagos” e “compensados”. No fundo é um investimento com retornos, mesmo a crédito. Até porque, tal como diz, um Estado não é uma empresa. Um Estado não tem lucros e as despesas de facto são, quase sempre, investimentos.
    A desvalorização, a nível macroeconómico, e num contexto de economia mundializada é sempre mais desvantajoso para moedas fortes que têm de competir com outras mais desvalorizadas. Algo inquestionável.
    Para prever o futuro não basta dizer que o pior está para vir e que virá uma crise. Pois se dissermos que no futuro iremos ter um período de prosperidade acertamos também. Isso não é planear nem precaver o futuro, é apenas uma constatação trivial.
    Quanto às conclusões não tenho qualquer comentário. Pois nem este blogue é de propaganda eleitoral nem acho que as minhas palavras possam acrescentar algo aprofundando esse tipo de discussão aqui.

    Micael Sousa

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  4. A nossa equipa desceu à terceira divisão (ou talvez só não tenha ganho o campeonato - não quero ser miserabilista). Temos de mandar prender o avançado de centro ou dar chibatada no médio centro? Se o treinador da equipa ali ao lado fosse nosso teríamos subido à primeira? Se a equipa não tivesse sido assolado pelo vírus ebola financeiro, q veio dos States, teríamos ganho a taça? Números são números, antes do ebola estivemos sempre a recuperar lugares na tabela mas quem sabe com outro treinador não nos teríamos safo mesmo com o ebola? Andam para aí a dizer q este treinador bateu na tia e q por isso não podemos confiar nele para dirigir a equipa. O Einstein também batia na mulher e o Dawkins nem sequer sabe ir à casa de banho sózinho. Temos de ter atenção a esta história da tia? Acho q sim mas não exageremos na nossa confiança sobre o q ouvimos nem na nossa paixão pela tia.
    Voltando ao nosso país, penso q é um facto q antes da crise o défice público esteve a diminuir durante vários anos. Se estou enganado, por favor alguma alma caridosa me corrija. Agora se com outro seria melhor ou se mesmo com a crise devíamos ter aguentado ou se a culpa foi da equipa e não do treinador, não consigo dizer. Podemos listar os erros deste treinador. Sim podemos mas os treinadores parece q não são perfeitos. Percebo q precisemos de arranjar um culpado, ficar furioso com os erros q fez e castigá-lo. Infelizmente este sistema político q temos, aliás, de reformar urgentemente, é mesmo assim. Fico triste com tanta confusão mediática que vai por aí, com tanto ódio e tanta certeza falsa sobre tanta coisa incerta. A tristeza maior é q não existe meio de saber se outros teriam feito melhor ou se este desempenho é bom, regular ou insuficiente. Para isso precisávamos de ter vários portugais, cada um dirigido por um partido diferente e depois comparar os resultados. No fim desta conversa concluo q o q é decisivo é o plano apresentado por cada um dos treinadores candidatos. Aí não tenho dúvidas qual é o melhor, embora tenha de recorrer aos meus contactos para perceber quais são, efetivamente, os planos, para além dos troikistas. Percebo, contudo, que muito boa gente tenha dúvidas sobre os planos. Percebo, respeito e aplaudo as dúvidas mas reprovo o ódio e as falsas certezas sobre o melhor sabonete. Depois a experiência também conta. Será q este plano nos vai garantir a subida, apesar de eu achar q é o melhor? Acho q não chega. Fica até muito longe mas para o resto estamos cá nos todos a tentar avançar com propostas estruturantes e a trabalhar por elas. Este blog é sobre isso mesmo, propostas estruturantes mas também sempre aberto e interessado em qualquer debate relevante, como este que nos foi trazido pelo Pedro. Obrigado Pedro e também obrigado Ricardo e Micael.
    Zé nuno lacerda fonseca

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