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quinta-feira, 17 de março de 2011

Anarquismo

Historicamente, o anarquismo aparece no âmbito dos nascentes movimentos socialistas, no século XIX, em articulação com os efeitos da primeira industrialização e modernização das sociedades europeias. Remetido para a categoria dos socialismos utópicos - por almejar uma sociedade sem Estado –, constituiu-se no entanto como uma tendência importante, se bem que geralmente minoritária, dos movimentos operários da segunda metade do século XIX e até à segunda guerra mundial.
Colónia Anarquista Belga "A Experiência" - 1905-1908
Ideologicamente, porém, o pensamento anarquista ou libertário é mais complexo e contraditório do que uma simples variedade de socialismo. Dando grande ênfase à autonomia individual e à espontaneidade da acção colectiva, tenta uma síntese teórica entre os valores igualitários dos socialismos e a liberdade da acção individual e do associativismo próximos do liberalismo filosófico. Daí a sua aposta nas teorias políticas do federalismo (Proudhon) coexistindo com a crítica do capitalismo, para o qual se propõem alternativas como a socialização (mas não a estatização) da grande propriedade e dos principais meios de produção, o cooperativismo e o mutualismo, ou alguma municipalização de solos urbanos e de serviços públicos. Por outro lado, estendendo a sua crítica à monopolização dos poderes político e económico (por parte de certas elites) à ideia de uma autoridade religiosa detentora exclusiva da verdade, o anarquismo desposou em grande medida a vaga anti-religiosa e anti-clerical que acompanhou a modernização social, sem no entanto deixar de encontrar fundamentos anti-autoritários em certos credos, que permitiram mesmo a formulação de um esboço de anarquismo cristão (em Tolstoi, por exemplo) ou, noutras tradições culturais, de um libertarismo iluminado (Krishnamurti, Gandhi, Vinoba ou mesmo Tagore).
Socialmente, o anarquismo encontrou no operariado, nos camponeses pobres e entre intelectuais e artistas os meios mais receptivos à sua mensagem e sensibilidade. O “anarco-sindicalismo”, especialmente forte nos países latinos no primeiro terço do século XX, foi o seu resultado mais significativo. O espontaneismo anti-autoritário e juvenil do “Maio de 68” francês, o seu mais conhecido gesto de revolta.
Politicamente, os anarquistas estiveram quase sempre bastante divididos e incapazes de se organizarem “em partido”. Mas apareceram sistematicamente contra a demagogia do eleitoralismo e do parlamentarismo partidário, desconfiando de todos os governos, da justiça, das polícias e dos exércitos, recusando-se a caucionar ou participar em tais estruturas. Pelo contrário, apostaram forte em processos revolucionários como o da Rússia de 1917 ou da Espanha de 1936, onde foram impiedosamente dizimados. 
Organizativamente e como formas de acção, experimentaram coisas tão diferentes como a violência e o insurrecionalismo (Bákunine), as escolas livres (Ferrer), o comunitarismo (Kropótkine), a propaganda “neo-malthusiana” (Humbert), o naturismo (Zisly), a associação federativa (Malatesta), a libertação sexual (Armand), o feminismo radical (Maria Lacerda de Moura), o individualismo filosófico e económico (Stirner e Tucker), a objecção de consciência à guerra e ao serviço militar (Lecoin), a acção directa não-violenta (Hem Day), etc.  
 
Contemporaneamente, o anarquismo deixou de ter expressão política depois da segunda guerra mundial e da bi-polarização Leste-Oeste. Mas, mais sob uma forma de libertarismo, deitou sementes que germinaram nas sensibilidades feministas e ecologistas dos nossos dias, e nas pulsões pela liberdade que, de longe em longe, percorrem constelações de países e sociedades, como aconteceu nos anos 70 com a queda das ditaduras do Sul da Europa, no final dos anos 80 com os países socialistas do Leste e talvez agora esteja a acontecer nos países islâmicos do Norte de África.

autor: João Freire

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