ATRATIVIDADE ATÁVICA E SELEÇÃO
NATURAL
David Buss foi um dos pioneiros da psicologia evolucionista ao tentar mostrar que embora a aparência da mulher seja fundamental, na escolha da mulher pelo homem, já a mulher escolheria em função dos indícios de poder social do homem (ou seja a capacidade de providenciar recursos, segundo os termos deste autor).
Desde então, a psicologia evolucionista tem enriquecido o conhecimento sobre fatores de atratividade transversais para todos os indivíduos. Encontram-se súmulas, bastante vastas, em Philippe Gouillou, Porque é que as Mulheres dos Ricos São Belas e Nancy Etcoff, A Sobrevivência dos Mais Belos. Embora fatores comportamentais, como expetativas de fidelidade, tenham importância, acontece que para homens e para mulheres, são atraentes, transversalmente, os traços da juventude, da saúde e da força, como cabeleiras voluptuosas, rostos simétricos, pele firme e clara, cinturas estreitas na mulher e musculatura masculina, etc.
Segundo a psicologia evolucionista, os padrões de atratividade transversal são resultado da seleção natural sendo, portanto, os genes que hoje determinam a atratividade, em grande parte. Contudo estes padrões são, frequentemente, anacrónicos (evolutionary mismatch). Já em 1942, Ernst Mayr analisou estes processos anacrónicos, seguindo-se vários outros autores, como o criador da sociobiologia, Edward Wilson.
Por exemplo, a força física do homem deixou de ser real indício da capacidade de providenciar recursos e a juventude da mulher já diz muito menos sobre o seu sucesso reprodutivo do que indicaria no paleolítico, quando se vivia em pequenos grupos, sem grandes diferenças sociais de estilos de vida e sem obstetrícia. Um outro exemplo de evolutionary mismatch, embora num campo diferente, é o dos genes do apetite excessivo, muito úteis em situações de forme recorrente, por permitem a acumulação de reservas metabólicas, mas que, nas sociedades ricas da atualidade, apenas ocasionam prejudicial obesidade.
Por exemplo, a força física do homem deixou de ser real indício da capacidade de providenciar recursos e a juventude da mulher já diz muito menos sobre o seu sucesso reprodutivo do que indicaria no paleolítico, quando se vivia em pequenos grupos, sem grandes diferenças sociais de estilos de vida e sem obstetrícia. Um outro exemplo de evolutionary mismatch, embora num campo diferente, é o dos genes do apetite excessivo, muito úteis em situações de forme recorrente, por permitem a acumulação de reservas metabólicas, mas que, nas sociedades ricas da atualidade, apenas ocasionam prejudicial obesidade.
Ora o desenvolvimento da espécie humana pode ser, hoje em dia, realizado pelo conhecimento, medicina e estilos de vida, não se tornando indispensáveis padrões de atratividade que promovam a seleção genética. Todavia, para evitar a eugenia inversa ou disgenia (termo usado por Richard Lynn) poderá ter de ser concedida predominância reprodutiva a certos genes em detrimento de genes evidentemente prejudiciais, idealmente através de intervenções médicas e não de limitações à reprodução de portadores. Aliás, nesta apreciação sobre o valor dos genes ter-se-á de ter em consideração que a diversidade genética é um valor securitário, pois é muito difícil conhecer o efeito de todos os genes em todos os ambientes possíveis, atuais ou futuros. Por exemplo os genes que originam a doença talassemia também tornam o seu portador imune a certas doenças, como a malária. Embora hoje já não pareça ter interesse preservar este tipo de genes, trata-se de um exemplo sobre a multiplicidade de efeitos dos genes que tornam difícil fazer uma avaliação absoluta do valor de cada gene.
Abandonando aqui a questão da disgenia e voltando à questão das características dos padrões de atratividade transversal, interessa reparar que, embora possa existir rigidez genética, no que é considerado atraente por ambos os sexos, verifica-se uma variabilidade, ao longo da geografia e história humana, bem como de indivíduo para indivíduo. Também sabemos que a consciência da existência do atavismo e da anacronia pode ajudar a superar esses processos. Tudo isto leva a supor que este fator de escassez (padrões muito seletivos de atratividade transversal) no acesso a uma sexo-afetividade, entendida como satisfatória, possa vir a ser menorizado com um esforço mediático e cultural. Esforço este orientado no sentido da expansão e flexibilização dos padrões de atratividade, fazendo com que valorizem um maior número de traços e de indivíduos, ultrapassando assim, em grande parte, a escassez sexo-afetiva que é o tema central a analisar aqui.
Aliás, a excessiva prevalência dos padrões seletivos de atratividade transversal é um obstáculo à vivência plena da afetividade, já que centra excessivamente as relações no campo seletivo e sexual, minorando as várias formas de afetividade.
Aliás, a excessiva prevalência dos padrões seletivos de atratividade transversal é um obstáculo à vivência plena da afetividade, já que centra excessivamente as relações no campo seletivo e sexual, minorando as várias formas de afetividade.
LITERACIA E GAMIAS
Os fatores tecnológicos (como as tecnologias de planeamento familiar e reprodutivo e as tecnologias virtuais) também facilitam o acesso sexual, enquanto, por outro lado, desenvolvimentos cognitivos, como a sexologia, medicina, arte e psicologia (constituindo uma literacia sexo-afetiva) podem aumentar a satisfação com a monogamia, enquanto forma com maior sucesso histórico na minimização das tensões oriundas da escassez sexo-afetiva.
O sucesso da monogamia não se justifica, unicamente, por reduzir a competição e a escassez (para os que com poder ou atratividade inferior deixassem de ter acessos), constituindo algo próximo a uma “democracia” sexo-afetiva e uma política de igualdade de oportunidades sexo-afetivas. O seu sucesso deriva, também, da sua eficiência enquanto meio propício à criação e desenvolvimento das proles, concitando os recursos e atenção exclusiva de ambos os pais, bem como deriva de propiciar o investimento afetivo e conhecimento mútuo dos parceiros.
Vários fatores influenciarão a possibilidade e utilidade social de configurações não estritamente monogâmicas perenes, como a duração do período necessário à criação e desenvolvimento das proles (que diminui com a diminuição do número de filhos mas aumenta com a prorrogação da sua entrada na vida profissional), proteção jurídica e financeiras das proles perante o divórcio, grau de responsabilidade parental, tecnologias de planeamento familiar e sanitárias, grau de ampliação dos padrões de atratividade, tecnologias que facilitem a transparência sobre o comportamento sexo-afetivo de ambos os pais fora do casal, tensões que os problemas da vida acumularam sobre o casal, grau de desinvestimento no conhecimento e adequação ao parceiro, equilíbrio entre poliginia e poliandria, eventual genética polígama, sistemas sociais de procura de parceiros realmente adequados, etc. Todavia, não se vislumbra a legitimação ampla de novas monogamias diversas e poligamias em nenhuma das suas muitas formas, pese a experimentação social que decorre em torno desta questão. Aliás esta experimentação é, talvez, mais devida à degradação da moral do que ao desenvolvimento de filosofias da sexo-afetividade que já hoje deveriam ser cruciais.
Enquanto que a possibilidade destes tipos de novas gamias racionalizadas, legitimadas e transparentes, aparece ainda envolta em muitas interrogações, propiciando investigação diversa e exigindo debate social, já as linhas de otimização da monogamia parecem claras, em torno do crescimento da referida literacia sexo-afetiva e mediante o desenvolvimento de sistemas, científicos e sociais, de procura de parceiros, realmente adequados às exigências da relação monogâmica perene.
ENCONTRO CIENTÍFICO E SUBLIMAÇÃO MODERNA
De facto, o desenvolvimento de sistemas técnico-científicos de procura de parceiros sexo-afetivos adequados, bem como de construção de contratos de coexistência, preparação para a vida em comum e acompanhamento desta, pode constituir um fator crucial para o amor e paixão.
Estes sistemas, embora meramente orientadores das livres opções dos indivíduos, potencialmente muito podem contribuir para a mudança do paradigma da sexo-afetividade. De facto, podem ajudar a superar o paradigma da atratividade atávica transversal, confluindo no novo paradigma da adequação mútua dos parceiros, específica de cada par. Assim, a aproximação dos parceiros passaria a ser determinada, fundamentalmente, por fatores de proximidade mútua, incluindo atratividade física devida a especificidades dos parceiros e não a fatores de atratividade transversal, fatores psicológicos, éticos, centros de interesse, comuns ou complementares, bem como compatibilidade em certos genes e noutros fatores, maioritariamente alheios à aparência atrativa transversal e ao status, etc.. Parece razoável a expetativa que esta profunda alteração de paradigmas possa vir a diminuir, significativamente, a escassez sexo-afetiva. Todavia, Eli J. Finkel e outros (2012) concluíram que os sistemas comerciais de encontros não fornecem provas científicas sobre a sua auto apregoada eficácia.
Só a compreensão da importância social destes sistemas poderá vir a originar entidades de regulação, investimento e acompanhamento científico que desenvolvam efetivamente e credibilizem estes sistemas que, por agora, a julgar pela pesquisa aqui acabada de referir, de 2012, são apenas operações obscuras, apesar da complexidade dos seus algoritmos e vastidão dos seus dados. Na sua conferência TED, de 2014, Finkel já foi muito otimista sobre a evolução científica destes sistemas.
Estes sistemas, embora meramente orientadores das livres opções dos indivíduos, potencialmente muito podem contribuir para a mudança do paradigma da sexo-afetividade. De facto, podem ajudar a superar o paradigma da atratividade atávica transversal, confluindo no novo paradigma da adequação mútua dos parceiros, específica de cada par. Assim, a aproximação dos parceiros passaria a ser determinada, fundamentalmente, por fatores de proximidade mútua, incluindo atratividade física devida a especificidades dos parceiros e não a fatores de atratividade transversal, fatores psicológicos, éticos, centros de interesse, comuns ou complementares, bem como compatibilidade em certos genes e noutros fatores, maioritariamente alheios à aparência atrativa transversal e ao status, etc.. Parece razoável a expetativa que esta profunda alteração de paradigmas possa vir a diminuir, significativamente, a escassez sexo-afetiva. Todavia, Eli J. Finkel e outros (2012) concluíram que os sistemas comerciais de encontros não fornecem provas científicas sobre a sua auto apregoada eficácia.
Só a compreensão da importância social destes sistemas poderá vir a originar entidades de regulação, investimento e acompanhamento científico que desenvolvam efetivamente e credibilizem estes sistemas que, por agora, a julgar pela pesquisa aqui acabada de referir, de 2012, são apenas operações obscuras, apesar da complexidade dos seus algoritmos e vastidão dos seus dados. Na sua conferência TED, de 2014, Finkel já foi muito otimista sobre a evolução científica destes sistemas.
Finalmente, completando o conjunto de processos de superação da escassez sexo-afetiva, deve-se considerar a recuperação da dignidade e do direito à sublimação, relativa ou absoluta, contínua ou periódica, bem como a emergente autonomia tecnológica. A dignificação destas estratégias tenderá a levar para uma sociedade com uma estimulação sexual menos intrusiva no espaço público, bem como a constituir uma literacia da sublimação e da tecnologia sexo-afetiva. O anátema sobre a sublimação e o preconceito sobre a autonomia tecnológica não têm base racional, sendo possível encontrar as razões da rejeição num subconsciente cultural de grupos sociais, cujas estratégias de sobrevivência e poder passavam pelo aumento do seu número de membros, mediante a multiplicação das proles. Outras razões poderão ser a rejeição impulsiva de tradições religiosas e do puritanismo em geral, no caso da rejeição da sublimação. No caso das autonomias tecnológicas, o anátema pode ser originado por um conceito, vago e infundamentado, sobre o naturalismo da sexualidade e do romantismo, como se o naturalismo fosse um valor absoluto e auto evidente e o romantismo exigisse sempre sexualidade omnipresente.
A POLÍTICA DOS GÉNEROS E A ESCATOLOGIA EXISTENCIAL
Todavia, tal como em relação à escassez de bens de sobrevivência, uma sociedade de pós escassez sexo-afetiva pode não passar de uma ilusão utópica. Tal pode vir a dever-se a uma possível rigidez nos padrões seletivos de atratividade transversal, a limitações das literacias sexo-afetivas e respetivas tecnologias, insucesso da investigação de novas gamias e dos sistemas de encontro e acompanhamento dos casais, incapacidade para propiciar um espaço público menos intrusivo de estímulos. Também pode contribuir para a manutenção da situação de escassez sexo-afetiva o rumo das tecnologias para criarem novos processos e desejos nesta área, eventualmente de difícil acesso monetário, exemplificados por certas expetativas sobre a sexualidade virtual e neural.
Isto é, também neste segundo vetor primal, as estratégias escatológicas, de redução da escassez, podem ser insuficientes devido à acentuação de estratégias contrárias. A decisão sobre que estratégias acentuar é uma das questões cruciais da atualidade, de estabilização das sociedades e de superação de obsessões destrutivas pelo poder e pela alienação, como resposta a frustrações competitivas e sexo-afetivas. Desde Freud que perdura a hipótese do grande impacto, no psiquismo, das frustrações e tensões ligadas à sexo-afetividade, acabando por influenciar, decisivamente, o comportamento humano e a organização social e respetivas tensões. Aliás, esta hipótese pode-se prolongar numa espiral de frustração, na qual a frustração sexo-afetiva origina maiores expetativas na procura de poder social, à laia de compensação, podendo ocasionar obsessão atávica pelo poder, erosão da ética e patologias. Por sua vez, este excesso de expetativas origina frustração social e leva a maiores expetativas sobre a realização sexo-afetiva, numa espiral de desequilíbrio.
Face ao antes referido para os dois vetores primais (bens de sobrevivência e sexo-afetividade), conclui-se que as políticas escatológicas apresentam objetivos muito diferentes das políticas tradicionais. De facto, as tradicionais políticas de incremento da produção de bens materiais já pouco ou nada determinam o bem estar e sustentabilidade das sociedades desenvolvidas da atualidade, descontando a forte pressão publicitária e respetivos consumos exibicionistas, exceto para os estratos sociais mais desfavorecidos.
As políticas escatológicas, de redução da escassez existencial e dos seus paradoxos, constituem um novo quarto nível da política. Este adiciona-se ao primeiro nível, de políticas de liberdade (Estado de Direito, igualdade perante a lei, liberdade de expressão e associação, etc.), ao segundo nível, de políticas de coesão social e ao terceiro nível, de políticas de promoção do crescimento económico. Obviamente que os valores da liberdade e igualdade já implicaram alterações profundas no campo sexo-afetivo, nomeadamente na igualdade de género e liberdade da orientação sexual. Todavia, uma visão escatológica, de vetores primais e multiplicidade de respetivas estratégias, permite uma visão muito mais abrangente sobre todas as temáticas sociais.
Esta visão pode, nomeadamente, orientar um novo campo político que é a política dos géneros, baseada numa filosofia dos géneros, concernente à superação da escassez sexo-afetiva, com profundas implicações no bem-estar, racionalidade e estabilidade social, como aqui se esquematizou, embora de forma muito resumida e parcial.
Esta visão pode, nomeadamente, orientar um novo campo político que é a política dos géneros, baseada numa filosofia dos géneros, concernente à superação da escassez sexo-afetiva, com profundas implicações no bem-estar, racionalidade e estabilidade social, como aqui se esquematizou, embora de forma muito resumida e parcial.
autor: José Nuno Lacerda Fonseca