Páginas

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Desdemonizar o Capitalismo com Lipovetsky

A esquerda tende a demonizar o capitalismo. Mesmo a social-democracia ou socialismo democrático lidam com esse advento que pode ter marcado o fim da história, segundo Fukuyama. E até terão boas razões para desconfiar. Se o capitalismo trouxe prosperidade económica, nada garante a sua distribuição de forma equitativa, dai a necessidade de uma esquerda interventiva.
 
 

No entanto, o capitalismo, para além do desenvolvimento económico geral, tem outros aspetos positivos a considerar. Para isso invoco Lipovetsky, um dos mais curiosos filósofos da atualidade, que se tem dedicado a estudar o individualismo e as manifestações materiais e culturais do capitalismo. Só por ai merece destaque, pois não é um tema comum da filosofia.

Lipovetsky desconstrói alguns intelectualismos, mais concretamente as tendências que desconsideram as preocupações materiais. Diz que o materialismo e o consumismo têm aspetos positivos. Faz uma apologia do individualismo. Poderíamos dizer que estamos perante um pensador liberal. Sim e não. Pois no discurso de Lipovetsky saltam as referências a uma génese de esquerda que lhe foi própria, ao referi que os mercados têm demasiado peso, exigindo regulação.

Se Lipovetstky considera o capitalismo muito positivo por nos ter possibilitada uma sociedade livre, onde podemos escolher o que fazer, consumir e ser, adverte também para os excessos nestes tempos “hipoermodernos”, segundo a sua própria definição da nossa época contemporâneo, já numa fase do “híper tudopós-pós-modernista. O pensamento lipovestkyano está cheio de paradoxos, como o próprio capitalismo. Se é o promotor da liberdade também aprisiona as sociedades e os indivíduos.

Mas, no fundo, retém-se a seguinte originalidade: o consumismo, o reino do efémero e o individualismo ligam-se à liberdade. O capitalismo levou-nos à uma tendência de futilidade, a uma sociedade hedonista que procura o prazer, e ao fazer isso exterminou as ideologias extremistas que tanta miséria humana causaram. No era do consumo há o tempo do agora, e não do Homem Novo e da Nova Sociedade pela qual devemos fazer sacrifícios e lutar custo o que custar e contra quem tiver de ser – a posição comum aos extremismos de esquerda e de direita totalitários. Este modelo de sociedade garante consideráveis níveis de felicidade através do reforço do individualismo e de projetos coletivos que são somente possíveis quando assumidos em liberdade pelos vários indivíduos que a eles aderem. No entanto subsiste alguma deceção, pois estas liberdades e domínios do efémero causam destruturação dos indivíduos, em que a sua identidade e papel no coletivo social fica em causa. Aparentemente a liberdade tudo lhes permite, mas a realidade limita-os e desorienta-os num mundo veloz sem âncoras e garantias.

Podemos não concordar com este tipo de materialismo, mas não o podemos ignorar.
 
autor: Micael Sousa