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terça-feira, 24 de abril de 2012

Um Novo Socialismo Democrático - O modo Interactivo Cívico


Pode dizer-se, de um modo geral e genérico, que o socialismo (ou os vários socialismos conhecidos como tal) terá (ou terão) brotado das sociedades industriais ou industrializadas. Pode dizer-se, como já se referiu aqui no blogue, que, de um modo bastante pragmático, os primeiros projetos socialistas  surgiram pela ação de pensadores e filantropos que tentaram inverter e mudar a realidade das condições de vida dos trabalhadores industriais. Depois desses primeiros testes, posteriormente apelidados de utópicos por outros socialistas – principalmente os defensores do socialismo científico ou marxista -, a “diversidade socialista” foi crescendo em causas e tendências teóricas e ideológicas, algumas radicalmente diferentes. Do século XIX ao XX muitos foram os movimentos que tentaram defender e implementar essa diversidade que foi mutando as tendências da esquerda, ora mais democrática ora mais totalitária, supostamente com o intuito de criar novas sociedades mais equilibradas e justas. Do Socialismo Democrático de Bernstein ao Marxismo de Lenine, houve espaço no início do século XX para vários experimentalismos, nem que fosse apenas na esfera do ideal. Posteriormente, especialmente no pós 2ª Guerra Mundial, foi a época da ascensão de muitos Estados tendencialmente de Socialistas. Emergiram em força, especialmente na Europa, os Estados Providência, de ideologia social-democracia ou do socialismo democrático, tal como os estados comunistas de influência Soviética ou Maoista, com tamnha diversidade por vezes dificulta a classificação. 
Durante os anos 80, toda a Esquerda soçobrou. Os Estados providência começam a ser desmantelados pelas tendências governamentais cada vez mais neoliberais - independentemente de serem governos de direita, centro ou esquerda moderada. A queda do Império Soviético trouxe ainda mais dúvidas quando ao futuro das esquerdas e dos socialismos. 
No Ocidente capitalista repensou-se o socialismo democrático. Nasceu a 3ª Via, teoria defendida por Giddens e, em parte, posta em prática por Blair no Reino Unido. Hoje a 3ª Via é constantemente atacada por muitos socialistas, pois, na prática, tal teoria resultou numa grande indefinição que tornou o socialismo cada vez mais indistinto das tendências do neoliberalismo (principalmente no papel do Estado e do próprio funcionamento da Economia). A solução da 3ª via, para além de ter descaracterizado o socialismo, é de tal forma uma teoria difusa e esguia, onde não se definem verdadeiramente limites de base e orientação, que a sua própria crítica é difícil de ser levada a cabo. No fundo, pode-se dizer que o socialismo democrático ficou, um tanto ou quanto, desmontado, com as suas partes coladas e ligadas pelo contágio avassalador das tendências neoliberais, numa espécie de simbiose entre opostos antagónicos
O curioso na história do socialismo é que foi, quase sempre, construído e liderado por elites, o que pode ser paradoxal tendo em conta o propósito e razão de ser do ideal (ou dos ideias) político (ou políticos) em causa. Apesar das classes menos privilegiadas se terem envolvido diretamente na construção dos vários socialismos, de um modo geral, o poder, mesmo o poder de pensar e definir teorias, foi um processo de poucos e a cargo de elites. No entanto, a tecnologia contemporânea parece estar a abrir algumas portas e a concretizar uma verdadeira mudança de paradigma político-social.
Hoje, em plena era da informação, deu-se o passo para uma distinta “sub-era”. As terminologias tendem a utilizar, ao jeito informático, os sufixos acabados em “ponto e numeral”. Hoje, no momento que se adjetivam muitas coisas como sendo “2.0”, o modo como lidamos e utilizamos as ferramentas de informação, especialmente as informáticas e a Internet, está a mudar a própria era da informação. Hoje o comum dos cidadãos, através de um panóplia imensa de ferramentas da WEB2.0 – pois a Internet chegou também à fase 2.0 -, pode aceder, produzir e interagir com a informação de um modo revolucionário e sem precedentes, com implicações no mundo real e em toda a sociedade. Estas mudanças têm acontecido de modo tão rápido que ainda é difícil, nos dias que correm, compreender verdadeiramente os impactos  que terão nas sociedades modernas a curto e médio prazo.
Então, nesta época contemporânea, de mudanças nas áreas da informação e com sociedades em convulsão, provavelmente as mudanças serão tão transversais que mudarão também muitos outros paradigmas:  políticos, sociais, económicos e etc. Com as novas tecnologias de comunicação e informação emerge também uma nova cidadania,  uma mudança - a meu ver - de oportunidade de renovação para o próprio Socialismo Democrático. 
Teremos então a oportunidades para um Socialismo verdadeiramente Interativo?, logo mais democrático? Não terá sempre o Socialismo Democrático tentado possibilitar um acesso generalizado e livre de informação aos cidadãos, dotando-as de ferramentas onde possam fundamentar as suas opiniões, interagir em grupo e fomentar os movimentos e sinergias necessárias para novas construções sociais e políticas? Não terá sempre sido um objetivo ter um “governo de iguais” respeitando a diversidade e particularidade de cada, em igualdade de oportunidades? Penso que sim! Penso também que a mudança de paradigma pode ser a oportunidade para um novo tipo de socialismo, um ainda por apelidar ou designar. 
Tal como o socialismo, enquanto ideia, brotou principalmente das sociedades industriais e pós-industriais, um novo tipo de socialismo democrático poderá brotar das sociedades da informação ou pós-informação! Neste novo socialismo poderá ser conseguida, através da tenologia, a utopia de uma sociedade verdadeiramente governada, numa aproximação ao ideal de democracia, pelos cidadãos em pé de igualdade. Concretiza-se a possibilidade de uma nova cidadania, longe de ser passiva, irresponsável e desinformada. 

autor: Micael Sousa

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Pensadores anarquistas


Como filosofia política, o anarquismo foi sempre uma doutrina controversa. Alguns dos seus activistas enveredaram por caminhos violentos condenados ao insucesso (embora isso também se explique pelos contextos da época), mas a grande maioria foi gente abnegada e sinceramente devotada à realização de um mundo melhor. Em todo o caso, na linguagem corrente a “anarquia” tomou então o lugar que antes era ocupado pela “república” como situação onde “todos gritam e ninguém se entende”.


A carruagem - Camille Pissarro

Apesar do tempo transcorrido, é ainda hoje instrutivo conhecer-se o fundamental do que escreveram os seus principais pensadores, a partir do início do século XIX.
O inglês Godwin arquitectou mentalmente uma sociedade reformada a partir de uma educação de base científica, em vez da religiosa-tradicional da sua época. O francês Proudhon foi um autodidacta imaginativo e contundente nas suas afirmações, criticando o regime de propriedade vigente e opondo um princípio federativo à organização centralizada do governo e do estado nacional. O alemão Stirner foi um descendente da filosofia hegeliana que evidenciou a singularidade genuína do “eu”, onde seguidamente se apoiaram os individualistas. O russo Bákunine foi apenas um discípulo sofrível da mesma escola mas, sobretudo, revelou-se um revolucionário de indomável energia que disputou com Marx a orientação ideológica do nascente movimento operário, escrevendo páginas veementes de crítica aos apóstolos de “Deus e o Estado”. Temperamentalmente bem diferente, o seu compatriota Kropótkine, de sangue real, foi pagem e jovem oficial do Czar, realizou importantes trabalhos de geografia mas, revoltando-se contra a situação, coube-lhe a prisão, a deportação e o exílio, onde de novo foi condenado pelos seus belos escritos sobre uma visão comunitarista do futuro e pela sua infatigável acção de apoio e incentivo às lutas populares. O também russo Tolstoi configurou nos seus romances e na sua própria vida apaixonada a ideia de um anarquismo místico, cristão, de feição não-violenta. O italiano Malatesta foi a última grande figura do anarquismo militante vinda do século XIX, que se opôs à carnificina da guerra europeia e veio a morrer sofrendo já as agruras do regime autoritário e populista do duce. Benjamin Tucker defendeu a propriedade privada para todos (em vez da sua abolição), bem como os tribunais com jurados, constituindo-se como o mais all-yankee dos libertários de além-Atlântico. E a russa-americana Emma Goldmann teve a enorme virtude de introduzir no pensamento anarquista a questão da emancipação da mulher.      
Já bem dentro do século XX, devem ainda referir-se mais uma dúzia de nomes.
A brasileira Maria Lacerda de Moura associou aqueles apelos pacifistas e feminista à vontade neo-malthusiana de uma procriação desejada e consciente. Na sequência da reivindicação do amor livre por Armand, o também francês Daniel Guérin escreveu algumas obras históricas mas talvez sobretudo tenha ajudado a retirar a homossexualidade do “gheto social e pecaminoso” a que era votada. Oriundo do marxismo, Castoriadis desenvolveu a sua análise sobre a burocracia dos países de socialismo-de-estado e deu outros contributos para uma focagem libertária da actualidade, de base psicanalítica, tal como também o fez Michel Foucault. O americano Paul Goodmann e o inglês Colin Ward rejuvenesceram esta corrente de pensamento nas condições das actuais sociedades urbanas e tecnológicas, com as suas múltiplas novas minorias. Murray Bookchin, americano, não sendo um cientista, foi sobretudo um ideólogo do pensamento ecologista, que tanta relevância atingiu nas últimas décadas. No plano da epistemologia, o americano Paul Fayerabend inovou ao tentar sustentar uma metodologia “anarquista” do conhecimento científico. O igualmente americano Robert Nozick é o autor do conceito de “Estado mínimo”, por isso rotulado de “anarco-capitalista”. E, finalmente, mais do que o filósofo francês Michel Onfray, há quem considere o linguista americano Noam Chomsky como o maior pensador anarquista ainda vivo, o que é bastante discutível, pois tal epíteto nada parece ter a ver com o seu importante contributo para a estrutura do pensamento humano articulado com a linguagem, mas antes com o seu persistente posicionamento político anti-americano.
Em suma, pode dizer-se que estes pensadores estiveram no século XIX essencialmente preocupados com a afirmação de uma cidadania política, e no século XX com a emergência de uma cidadania social.


autor: João Freire

terça-feira, 3 de abril de 2012

Esternocleidomastoideo!

A opinião publicada, rejubilou com a nomeação de Nuno Crato como Ministro da Educação e Ciência, reverenciando a sua pose de cientista independente e de crítico das coisas óbvias. Nada mais falso. A sua ação tem-se pautado por uma meticulosa agenda política de desmantelamento ao sistema público de ensino, numa senda sem precedentes. Porque o espaço é curto observemos, apenas, dois exemplos recentes com que o MEC nos brindou: o regresso aos exames da 4ª classe desfraldado como bandeira do rigor e exigência, mas que mais não é do que uma falácia que entretém a comunicação social descuidada do impacto quase nulo de que esta medida se reveste. Tais exames à saída do 1º ciclo - coisa inexistente em TODOS os países da OCDE - contarão 30% da avaliação das crianças, pelo que só uma prestação muito desastrosa poderá determinar a sua retenção. Assim sendo para que serve a sua implementação e o esforço humano e material na sua concretização ?  Apenas tem explicação no quadro da propaganda mediática e no bafiento preconceito ideológico contra a modernidade "mãe do facilitismo". Crato e a sua gente têm da avaliação das aprendizagens uma visão carcomida pelo tempo, ainda com as imagens das orelhas de burro e das palmatórias,  ou recordatória da célebre cena do exame de medicina de Vasco Santana no filme "Canção de Lisboa", que a todos espantava porque até sabia o que era o músculo esternocleidomastoideo?


Na mesma linha de ataque à escola pública, mandou acelerar o movimento de agregação de escolas e agrupamentos, que criará unidades orgânicas gigantescas (vulgo mega-agrupamentos) que destruirão a relação de proximidade, as ligações escola-comunidade, que farão desaparecer a identidade e a cultura próprias de cada unidade, que abrirão portas à insegurança, a maior indisciplina, há desumanização do ensino, em nome de uma racionalidade de meios ainda não demonstrada. Tudo isto, enquanto permanece intocada e até protegida a estrutura do ensino privado
Por detrás do seu discurso de estilo brando, o Ministro Crato está a revelar-se um dos mais acirrados protagonistas da concretização da agenda política liberal deste governo. Não se sentirá realizado na sua "missão superior" enquanto não fizer o ensino público enveredar por aquilo que diz ser o caminho do "return to basics"
 O impacto vai ser demolidor!

autor: Pedro Melo Biscaia