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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Crítica e Transparência para regular os Mídia, assegurando o pluralismo

As intervenções que podem ajudar a garantir que os mídia sejam pluralistas e defendam a ética (a questão da ética e dos mídia será posteriormente abordada) são diversas, sendo as mais usuais a educação para os mídia, a auto-regulação, a formação dos seus agentes e definição de códigos deontológicos, um serviço público que equilibre as falhas dos mídia de mercado, o apoio a empresas de mídia na forma de cooperativas e a existência de entidades reguladoras supra-partidárias.
Todos estes meios têm sido tentados com poucos resultados aparentes. Pode ter chegado o momento de pensar em diferentes processos de regulação.
O processo mais directo seria possibilitar aos partidos políticos um pequeno tempo e espaço nos mídia que lhes permitisse comentar eventuais parcialidades de cada peça dos mídia. Este comentário seria acessível ao público no momento em que cada peça está a ser consumida ou seria, de alguma outra forma, facilmente associável a essa peça. Desde noticiários até telenovelas, seria interessante que, no seu intervalo ou o mais rápido possível após a emissão das peças, ouvíssemos ou lêssemos pequenos comentários críticos que revelassem as suas deturpações e visões parciais. Esta crítica pluralista imediata parece um meio garantidamente pluralista de educação dos consumidores.
Obviamente que os partidos actuais não estão preparados para estas funções, sobretudo no que concerne à detecção de mensagens ideológicas e anti-éticas, relativamente subtis, nas peças recreativas mas este tipo de funções talvez incentivasse os partidos a tornarem-se mais inteligentes, mais cultos e aproveitando melhor as capacidades dos seus militantes. Este tipo de funções culturais talvez, também, estimulasse o aparecimento de pequenos partidos menos vocacionados para o poder e mais vocacionados para o esclarecimento ideológico.
http://thepowerofinfluence.typepad.com/
Claro que se, mesmo assim, os mídia se continuassem a inclinar para as visões de um só partido, este tipo de crítica, de todos os outros partidos, acabaria por se tornar monótona e pouco eficiente, a não ser que ocupasse um enorme espaço e tempo, destruindo o carácter recreativo dos mídia e reduzindo-os a serem um pesado debate político.
Portanto, talvez seja bom pensar em medidas complementares que preservem a atractividade dos mídia mas que também assegurem pluralismo e ética.
Nesta óptica de complementaridade, também parece viável que os partidos se pronunciem sobre o que acham ser as tendências ideológicas de cada agente dos mídia. Seria positivo que os consumidores fossem avisados destas tendências. Esta transparência ideológica seria, certamente, útil ao pluralismo e talvez revelasse a parcialidade do actual sistema. É já prática, nalguns países, que os mídia declararem quem apoiam, em certas eleições. Penso que já ninguém acredita na fábula do jornalista e do redactor absolutamente isentos e acima dos partidos.
Por exemplo, será que um partido com 3% dos votos teria direito a sentir-se representado por 3% de redactores, comentadores e apresentadores, ocupando 3% do tempo e espaço mediático com maior audiência? Teria até direito a mais de 3% se fosse um partido recente ainda pouco conhecido com novas mensagens, sempre mais difíceis de serem compreendidas? No caso de agentes dos mídia sem apoio de nenhum partido e até com partidos a expressarem-se contra a parcialidade destes agentes ou no caso de agentes com apoio de vários partidos, a contabilização seria um pouco mais complexa mas é claro que se podia calcular um indicador do nível em que cada partido se sente bem representado por agentes dos mídia.
http://www.relationship-economy.com/
 Podemos até equacionar a possibilidade de se ir mais longe, para garantir o pluralismo. Por exemplo, se um pequeno partido achar que nenhum agente dos mídia tem tendência para expressar as visões deste partido teríamos de ter meios para levar os mídia a contratarem agentes com esta tendência? Este pluralismo de agentes não seria, obviamente, fácil de levar à prática e levantaria vários problemas. De facto, este tipo de partidarização dos agentes dos mídia acarretaria riscos de perda de qualidade e de inviabilizar qualquer resquício de imparcialidade. Contudo, aplicado apenas em parte do sistema mediático, progressivamente e acompanhado por estudos de impacto, poderia talvez dar um contributo positivo.
Será mesmo tão exigente e complexo garantir o pluralismo? Será mesmo tão exigente e complexo garantir a democracia?

Em posterior artigo continuaremos a debater estas questões e a abordar meios alternativos de regulação, nomeadamente os mais vocacionados para divulgação de ideias inovadoras e para uma verdadeira democracia na internet (relacionada com as lógicas dos motores de busca).

autor: José Nuno Lacerda Fonseca


quinta-feira, 14 de abril de 2011

Governando os bens comuns

Em 2009 Elinor Ostrom venceu o prémio Nobel da Economia, tendo sido a primeira mulher a conseguir esse feito. Tal distinção não se deu através de um estudo sobre mercados financeiros - tão em voga na actualidade - mas a algo ligado à génese das próprias sociedades humanas e suas economias. O prémio foi ganho devido a uma investigação sobre a gestão dos bens comuns – recursos naturais tais como: bancos de pesca; pastagens; florestas; recursos hídricos; etc.
Ostrom evidenciou que para se ter uma saudável economia (e seus mercados - mais ou menos complexos) os recursos naturais – vistos como bens colectivos – têm de ser geridos e monitorizados de uma forma sustentável, isto, também, numa clara relação com a sustentabilidade ambiental.
O passado está repleto de exemplos de usos excessivos e insustentáveis pelas sociedades humanas dos recursos naturais existentes, mas também há bons exemplos a seguir, caso contrário já nos teríamos extinguido como espécie ou não tínhamos evoluído para sociedades mais complexas - trivial. Deste modo e assim, é evidente para todos que teremos, enquanto grupo, de trilhar rumo a um uso e gestão sustentável dos recursos à nossa disposição – mais uma trivialidade.

 É usual sugerir-se que explorar recursos que são comuns a uma determinada sociedade leva ao uso excessivo das mais-valias por ai provenientes, e que é aconselhável reduzir essa utilização através de regulamentações governamentais, tais como: taxas; quotas; ou privatizando o recurso. Tal postulado leva à construção do seguinte argumento: cada utilizador ganha proveitos privados em oposição a custos privados (por se prover dos recursos colectivos para os seus lucros privados), o que leva a negligenciar o impacto negativo nos outros utilizadores (que dependem desse mesmo recurso colectivo para tirar os seus próprios proveitos).
No seu trabalho Ostrom, através de estudos empíricos com referências a exemplos espalhados um pouco por todo o mundo, demonstra que na maioria dos casos os bens comuns são surpreendentemente bem geridos por muitas comunidade. Refere que os argumentos contra os sistemas de utilização de bens comuns são excessivamente simplistas, ao desconsiderarem que os utilizadores desses sistemas colectivos podem criar e reforçar regras para mitigar a sobre-exploração. A economista refere também que se descuram, usualmente, as dificuldades práticas em privatizar e implementar regulação governamental adequada a cada caso.
Realmente marcante no trabalho de Ostrom são os, anteriormente referidos, relatos exemplificativos e elucidativos que apresenta: os bons e maus exemplos de casos onde os sistemas de utilização dos bens colectivos tiveram sucesso ou falharam.
Uma das conclusões do seu estudo, e aquela que saliento principalmente, é a necessidade de uma certa dose de regulamentação e monitorização para garantir a sustentabilidade desses bens comuns, mas que tal controlo nunca pode vir do exterior. Essas regras têm de ser obrigatoriamente participadas e criadas em parceria com os utilizadores dos bens em causa. 


Na minha opinião, podemos, com alguma facilidade, relacionar estas teorias de Ostrom  com as tendências de governação via democracia participativa, com um tipo de democracia que visa o envolvimento das pessoas/cidadãos na gestão do seu melhor interesse colectivo, que originará também o seu melhor interesse pessoal. Parece-me evidente ser este um dos possíveis preceitos e caminhos para o socialismo democrático (de agora e do futuro): a regulamentação e monitorização de recursos colectivos, envolvendo e dando voz e participação democrática aos exploradores e utilizadores, com o objectivo de preservação ambiental dos recurso colectivos e de um desenvolvimento sustentável para benefício de todos, atendendo também às prescrições de técnicos e especialistas via sociedade civil e intervenção estatal.

Fonte: http://elinorostrom.indiana.edu/

autor : Micael da Silva e Sousa

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O tesouro das prateleiras

É nos momentos de maior dúvida e intranquilidade que somos levados a recorrer às prateleiras mais poeirentas das estantes, onde repousam os eternos clássicos. É lá que reencontramos os instrumentos de análise mais sólidos e distanciados das urgências de curto prazo, estruturados à luz de um saber entretanto depurado. Eu, nestas alturas, volto sempre a Kant que, já no século XVIII, concluiu que a ciência humana trata do mundo fenomenal, incapaz de estabelecer, pela razão, “verdades” metafísicas absolutas e que o acaso e o tempo subjectivo são factores de grande relevância nas nossas vidas. Se, com a devida distância crítica, usarmos o postulado de Immanuel Kant, na observação da conturbada época actual, percebemos que perante o incómodo da imprevisibilidade da história e da imperfectabilidade humana, se impõe valorizar a ética individual como guia de sobrevivência em sociedade. Ao contrário do que alguns supuseram, ainda estamos longe de patamares civilizacionais irreversíveis. As forças que nos abalam a viagem são tão poderosas e contraditórias que para vencermos, lá mais à frente, esta curva apertada do tempo, emerge a vontade implícita no “imperativo categórico” de Kant que recomenda que todas as pessoas devem agir “com base no princípio que, simultaneamente, desejariam que fosse uma lei universal”. Mesmo que, aparentemente nos pareça uma proposta demasiado simplista e até óbvia, esta afirmação contém a síntese absoluta de uma existência em comum mais justa, pacífica e equilibrada. Não será bastante para dela fazermos, hoje, uma bandeira da esquerda democrática ?

autor: Pedro Melo Biscaia