segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Lutar contra a crise é lutar contra todas as nossas limitações estruturais

 
A atual crise financeira surge imputável à incapacidade regulatória dos governos, nomeadamente nas suas instâncias internacionais, sobre os mercados financeiros, bem como surge devido à imperfeição informativa destes mercados. O enquadramento da crise é, contudo, mais vasto.
De facto, uma globalização, económica, acedendo a grandes reservas de mão-de-obra a valores muito baixos e praticamente sem custos de proteção social (sobretudo na Ásia) pressionou os governos de outros países (com mão-de-obra mais cara e maiores custos de proteção social) para diminuírem as cargas fiscais, o valor do trabalho e outras condições sociais, proliferando a figura dos paraísos fiscais. O equilíbrio entre oferta e procura de capital desequilibrou-se com a entrada, no mercado global, de grandes países tecnologicamente atrasados e com grandes necessidades de investimento. O capital deslocalizou-se na procura de lucros ainda maiores, deixando um rasto de desemprego e falta de liquidez nos países de onde saiu, sem que tal fosse compensado pela produção, no âmbito mundial, de bens a preços muito mais baixos que pudessem ajudar a equilibrar os orçamentos e os consumidores das nações que sofreram a fuga de capitais.

A situação atual é de ausência de equilíbrio entre oferta e procura de capital, originando grandes lucros e baixos salários, bem como recessão nos países mais atingidos por estes movimentos de deslocalização.
Não só o capital se tornou escasso como, também, se tornou “escassa” a energia fóssil face a uma procura crescente, o que veio acentuar as dificuldades de crescimento económico. Claro que sabemos que o custo do petróleo não é determinado pelo mercado mas por oligopólios que conseguem que o barril de petróleo seja vendido a perto de 130 dólares, apesar do seu custo de produção ser de apenas 2 dólares.
Acresce ainda que, devido ao envelhecimento da população e inversão das pirâmides etárias, os custos de proteção social sobem em flecha. A degradação ambiental e climática trouxe, também, custos acrescidos. Infelizmente os governos e as suas instâncias internacionais não só falharam na regulação internacional financeira, como falharam numa regulação internacional fiscal, bem como na regulação dos fluxos de capital e mercadorias no mercado global. Como se tal não bastasse, muitos governos tentaram responder a esta pressão para a degradação do valor do trabalho, fuga de investimento e dificuldades de cobrança fiscal, mediante empréstimos que permitiram, durante algum tempo, manter o crescimento, proteger o valor do trabalho e manter a proteção social. Esse tempo de moratória acabou porque as dívidas assim contraídas assumiram montantes excessivos, ao ponto de se ter perdido a credibilidade face aos credores, cujo nível de racionalidade económica é, contudo, duvidoso.
 

Talvez por tudo isto, a incapacidade europeia, para equilibrar alguns graves efeitos desequilibrantes da globalização, seja muito baixa, não só na sua ausência de contributos decisivos em instâncias de governança e regulação mundial (comercial e financeira) mas, também, na incapacidade para controlar a galopada das cedências fiscais e dos défices financeiros dos Estados periféricos e, ainda, na incapacidade de criar mecanismos de intervenção interna, como um verdadeiro Banco Central Europeu com capacidade para emitir moeda (embora, através da emissão de moeda por meios eletrónicos – “quantitative easing”, o BCE tenha emitido o equivalente a 1 trilião de dólares, em quatro anos). Sem o aumento significativo da massa monetária não se percebe como fugir de uma austeridade necessariamente recessiva. Claro que a emissão de moeda não pode servir como álibi para aumentar o défice público e desprezar a austeridade, infelizmente necessária no curto prazo. Talvez um equilíbrio, entre a emissão de moeda e políticas de austeridade, seja a única resposta, imediata, contra a atual crise económica e financeira, já que a solidariedade europeia, veiculando maiores ajudas financeiras e económicas, dos países com saldo financeiro positivo aos que apresentam défices, não parece viável, de imediato, ao ponto se dar resposta à atual crise. Claro que a resposta imediata à crise atual só será bem sucedida mediante uma série adicional de condições. Muito se tem falado de vários vetores de combate à crise.
 
 
1.1.  A repartição da austeridade por todos (com impostos, acrescidos e possivelmente temporários, sobre as grandes fortunas, grandes salários e grandes pensões de reforma).
1.2.  A renegociação da dívida, com maiores prazos de amortização e juros anuais respetivamente menores mas sem extinção de dívida.
1.3.  A diminuição da massa salarial no setor Estado, sem despedimentos e, nomeadamente, com parte dos salários (sobretudo dos maiores) a serem pagos através de emissão de divida obrigacionista especial (com prazos de resgate e taxas de juro indexadas às taxas de crescimento económico do país).
1.4.  A continuação do esforço de racionalização da despesa do Estado, nomeadamente com renegociação das ppp, cessação da ruinosas operações de outsourcing, verdadeiros planos de reengenharia de processos e reafetação de trabalhadores a novas funções, desenvolvimento de um sistema informático integrado de contabilidade pública analítica e várias outras medidas sobejamente adiadas.
1.5.  Criação de duplas moedas em certos países, para aumentar a massa monetária, minimizando a exportação da inflação. Na ausência de uma política europeia de aumento da massa monetária, os Estados devem emitir dívida obrigacionista sobre uma forma que seja, obrigatoriamente, transacionável no mercado de retalho (por exemplo, títulos com valores nominais pequenos que, na prática, funcionem como papel moeda).
1.6.  A ilegalização dos offshore e luta contra a fuga de capitais, taxando, de forma equilibrada, num regime fiscal nacional todas as empresas e capitais detidos por portugueses, independentemente da sua localização fiscal.
1.7.  Protecionismos alfandegários temporários, nomeadamente com recurso ao marketing social para a preferência por produtos nacionais.

Numa perspetiva de médio a longo prazo outras medidas se devem juntar.
2.1.  A promoção da liquidez num sistema bancário capaz de selecionar, efetivamente, os bons projetos empresariais, o que obriga à especialização da banca, por setores económicos, bem como a criação de um verdadeiro sistema de incubação de empresas e de capital de risco.
2.2.  A cessação das privatizações e o desenvolvimento de um sistema empresarial público, em verdadeiro sistema concorrencial, com recrutamento de gestores efetuado através de métodos de democracia participativa, bem como desenvolvimento de sistemas de “performance related pay”. Num mundo dominado pela economia, um Estado sem braço económico é o mesmo que um leão sem dentes. Por mais que possa rugir e correr, acabará de morrer por inanição, arrastando para a cova o Estado Social, a ética, o equilíbrio social e o desenvolvimento.
2.3.  Políticas de formação e de marketing social dirigidas ao aumento da organização do trabalho e à produtividade, com base nos estudos interculturais, com alteração das atitudes culturais nacionais que nos têm distanciado da produtividade de países com outras matrizes culturais.
2.4.  Reformulação das relações entre empresas e investigação e desenvolvimento, cooperação acrescida entre pme´s no benchmarking, na investigação, no marketing e em vários outros aspetos.
2.5.  Uma verdadeira regulação anti-oligopolista, nacional e internacional. O inimigo do progresso não é o capitalismo (este está naturalmente a transformar-se em socialismo, pois a figura do capitalista está a ser substituída pela figura do gestor, tornando inútil a função do capitalista). O inimigo do progresso é a oligarquia internacional, impedindo a racionalização dos mercados e concentrando cada vez mais poderes, em total egoísmo e desprezo pelo bem estar dos povos.
 

2.6.  Reforma da justiça, educação e saúde, planificação estratégica das redes de transporte de mercadorias e planificação participativa, prospetiva, nacional, setorial e regional, do desenvolvimento a longo prazo, baseado em benchmarking internacional.
2.7.  Política de independência energética, nomeadamente equacionando as energias alternativas, o novo nuclear de fusão e a perfuração petrolífera de grande profundidade.
2.8.  Todas as causas da crise devem ser combatidas. Neste contexto, tão importante quanto o investimento em energias alternativas e no combate ao oligopólio petrolífero, é o investimento na robotização do trabalho, decisivo na resposta aos desequilíbrios do trabalho escravo asiático e à inversão das pirâmides etárias. O investimento na robótica não irá causar desemprego, o investimento nas energias alternativas não irá causar aumento dos custos da energia, o aumento da massa monetária não irá causar inflação, o crescimento do setor público empresarial não irá causar ineficiência. Não é possível neste texto analisar estas recorrentes falácias mas pode-se chamar a atenção para a oportunidade que esta crise oferece ao crescimento de um setor público empresarial na área das energias alternativas e robótica. Um novo setor público empresarial que seja capaz de constituir o passo decisivo no pagamento das dívidas dos Estados, no financiamento do Estado Social e no aumento da capacidade negocial da política governativa face aos oligopólios financeiros internacionais.
 

2.9.  O reforço de mecanismos de controlo europeu das dívidas nacionais, sem o qual não será viável apelar a solidariedade europeia do norte para com o sul. Contudo, o aprofundamento da integração europeia não pode ser apenas um meio dos países do norte controlarem as ineficiências dos governos latinos. Esta integração deve ser entendida como um caminho para efetivos meios mundiais de regulação fiscal, de fluxos comerciais, de capitais e de informação. Efetivamente, não se pode esperar que a austeridade que, de facto, é apenas uma diminuição relativa do valor social do trabalho, venha a resolver a crise, mesmo se acompanhada de corretas medidas de promoção do crescimento económico. É que os países podem encetar uma competição de austeridades. De facto, se a diminuição do valor do trabalho tornar mais competitivos alguns países, poderá haver a tendência de outros responderem implementando, também, desvalorizações do trabalho (isto é, diminuição de salários e de impostos para o Estado Social) de forma a não perderem competitividade. De tudo isto resultará a continuação da espiral da degradação do valor do trabalho e recrudescimento do valor esmagador das grandes concentrações financeiras internacionais. É, pois, imperativa uma governança mundial democrática. Sendo que esta integração mundial implica centralização do poder e seu afastamento dos cidadãos, tal deve ser contrabalançado por novas forma de democracia mais direta e mais informada.
2.10. Política diversificada de promoção da ética, sem a qual nenhuma sociedade é viável. Não se pode esperar que as debilitadas religiões e ideologias atuais continuem a desempenhar o papel central no desenvolvimento de éticas modernas. Devem, contudo, proceder a reformas e atualizações profundas, de forma a constituírem indispensáveis parceiros na promoção da ética e de sociedades menos voltadas para o consumismo e para a procura do poder, como desidrato para a felicidade humana.  
2.11. Por último, a reforma das reformas, sem a qual nenhuma outra terá sucesso. Reforma, global, do sistema político e dos mass media, na perspetiva da democracia participativa, descentralizada, deliberativa, cognitiva e eletrónica. A implementação de todas as medidas antes referidas necessitam de um sistema político mais inteligente e menos permeável a interesses privados, sem o qual não serão viáveis avanços significativos em nenhum campo.
 
Provavelmente as medidas aqui expostas são necessárias e muito mais terá de ser feito. É muito duvidoso que políticas que não recorram a todas as possibilidades e sinergias, erradamente colocando excessivas expetativas num restrito número de medidas, possam vir a ter sucesso. Infelizmente, as políticas de combate à crise têm sido excessivamente unidimensionais e de curto prazo. Sabemos que os oligarcas internacionais estão interessados na continuação, contida, da crise, para que possam comprar o mundo ao desbarato, nomeadamente através das privatizações, descredibilizar ainda mais a política e a democracia, arrastar o trabalho para a escravatura. Temos de escolher de que lado estamos. Esperamos, ainda, algumas ricas benesses com que a oligarquia nos possa seduzir ou estamos a favor dos povos e de uma luta sem quartel, pela liberdade, contra a progressiva ditadura plutocrata. Já não há meio termo, embora a moderação, a cultura e o bom senso devam continuar a ser os principais aliados da liberdade, esta, contudo, não sobreviverá sem grande coragem.
 
 
autor: José Nuno Lacerda Fonseca
 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Presente como Sombra, O Futuro como Esperança

1. Houve tempo em que uma posição anti-capitalista explícita era a marca de uma radicalidade de objectivos, quase sempre entrelaçada num extremismo de processos. Isto é, a autenticidade do anti-capitalismo media-se pela decisão de derrubar pela força a ordem vigente, em nome de um programa simples marcado por uma alternatividade clara, mas difusa. O anti-capitalismo também não estava ausente entre os que, apostando nas eleições como alavanca de mudança, não deixavam de inscrever nos seus objectivos a superação do capitalismo através de uma cadeia de políticas públicas que em muitos aspectos não se distanciavam muito do programa dos que seguiam a via anterior. Apenas queriam agir num quadro democrático.
Persistência da Memória - Salvadro Dalí

Muitas destas medidas eram reflexo de uma ambição social igualitária e de uma identificação com as justas aspirações dos que viviam dos frutos do seu trabalho ( e não do fruto dos seus investimentos em capital ou das suas rendas).  Para concorrerem eleitoralmente com eles, os partidos da direita, para melhor protegerem o sistema capitalista e através deles os interesses de todos os que eram beneficiários da desigualdade reinante, foram aprendendo a inscrever na sua agenda algumas medidas próximas das apresentadas pela esquerda, para evitarem derrotas eleitorais sucessivas e excessivas.

O nacionalismo emancipa tório  anti-colonial subsequente à Segunda Guerra Mundial, exprimiu-se através de um novo tipo de protagonistas que praticavam a violência como instrumento principal de libertação , embora nem sempre assumissem um anti-capitalismo radical..

Antes do desmoronamento soviético, a guerra-fria tendeu a reduzir a amplitude das mudanças em cada um dos lados, deixando o imprevisto para uma parte do mundo, aberta á expansão de cada um dos blocos. A transgressão do pacto tácito entre os dois lados não desapareceu mas era rara. A sombra de uma possível guerra nuclear continha os ímpetos, ainda que evidentemente não apagasse por completo os conflitos estruturais existentes. Cada lado tinha os seus centros imperdíveis, os seus vassalos mais distantes e ambos disputavam um vasto terreno de caça a ambos consentida.

 2. Esse mundo bipolar acabou com o desmoronamento soviético e o esmorecimento da guerra fria. O capitalismo pareceu triunfante, apesar da sobrevivência da excepção chinesa. Uma grande excepção que ainda hoje verdadeiramente não se sabe o que significa geoestrategicamente num plano prospectivo.

Mas passadas algumas décadas, mesmo desembaraçado da competição com o colectivismo de estado soviético, o capitalismo não funciona como um precioso relógio capaz de fazer a felicidade dos povos por intermédio da prosperidade dos ricos. Pelo contrário, tornou-se num predador compulsivo, tendo-se conseguido libertar da tutela política dos Estados , objectivamente condicionados, em maior ou menor medida, pelo exercício democrático da vontade dos povos. Vagueia agora como uma cão sem dono, produzindo um conjunto cada vez mais pequeno de ricos cada vez mais ricos, à custa do exacerbar da miséria de multidões de seres humanos, de um relativo  esvaziamento das classes médias e da desqualificação acelerada do trabalho, reduzido à desumana condição de mercadoria. Desgovernado, parece imune à interferência dos poderes democráticos, contaminado por uma sofreguidão do capital financeiro que se tornou num jogo de roleta russa praticado por uma incontrolável pistola apontada á cabeça dos povos.

Por isso, não é realista não ser radicalmente anti-capitalista. O capitalismo é um cancro que corrói a humanidade, não é sensato combatê-lo apenas com chás de cidreira. E isso acontece á escala global e acontece dentro de cada país.

3. Como em todos os grandes combates históricos, não é possível conseguirem-se vitórias sem inteligência, sem persistência, sem sacrifícios e sem uma coragem persistente e incansável, mas não se trata de preparar um golpe de força para tomar o poder num assalto feliz a um palácio de inverno. Não se trata de tomar bruscamente as rédeas  do poder em Lisboa para exercer depois uma acção política  forte e transformadora. Trata-se de pôr toda a sociedade em movimento, especialmente os membros da sociedade que pagam com o cinzento desesperado das suas vidas o preço da sobrevivência do capitalismo. Sem uma cultura popular emancipatória, sem um protagonismo social radicado num território susceptível de contribuir para identidade cívica dos seres humanos, sem uma economia humana suficientemente pós-capitalista para se deixar impregnar pelos valores do socialismo, sem uma clara instrumentalização do capital ( que, no fundo,  é trabalho morto) pelo trabalho vivo dos humanos, o poder do Estado que é indispensável nunca terá a força suficiente para pilotar uma superação do capitalismo sem catástrofe.

Por isso, todas as estratégias que na prática se esgotem no plano da política institucional, por mais brilhantes e certeiras que sejam, objectivamente, são insuficientes e estão condenadas ao fracasso. É preciso jogar em todos os tabuleiros, saber pôr a sociedade em movimento em convergência e através de políticas transformadoras.  Não estamos dispensados de fazer o melhor no plano da política institucional, mas o melhor, apenas num tabuleiro, não é suficiente.

Por isso, me parece mais grave a ausência de intervenção do PS nas áreas que acima referi do que a prática de erros conjunturais ou de tomada de posições pouco convincentes.

4. Sei que é difícil percorrer um caminho tão complexo. Mas não há outro. Para além, de que os explorados e os oprimidos, os excluídos e os desempregados, já perceberam intuitivamente que os vários discursos das várias oposições de esquerda, das oposições cuja identidade essencial é a não identificação com o capitalismo, são palavras que escorrem ao longo da realidade pouco contribuindo para a modificar. Realmente, e para dar apenas um exemplo, é cada dia mais claro que um desemprego como aquele que existe em Portugal, como aquele existe na União Europeia, não se combate satisfatoriamente com simples estratégias de crescimento económico. De facto, mesmo que através apenas delas, o reduzissem a metade do que é hoje isso já seria um  êxito retumbante. E a outra metade, os seres humanos desempregados  que nessa hipótese idílica ficariam de fora ? Esqueciam-se ? Os defensores de capitalismo, não o dizem, mas acham que sim. os socialistas que também assim pensarem só podem dizer-se socialistas por hipocrisia.De facto, a única maneira realista de combater o desemprego é a repartição dos trabalho e dos rendimentos (não a dos rendimentos do trabalho, mas a de todos os rendimentos ), o que é incompatível com o tipo de capitalismo hoje existente, mas pode ser um aspecto do caminho a percorrer como saída do capitalismo, como transição para um pós-capitalismo, democraticamente controlada.
Pode discutir-se a via a seguir , o seu ritmo, as suas características , a distribuição dos sacrifícios que essa metamorfose implica, mas um partido de esquerda , um partido socialista, não pode continuar amarrado á ficção de que bastam alguns pontos de crescimento económico para se atingir uma sociedade digna. Não menosprezo a importância dessas medidas se forem tomadas com a noção de que são apenas um pequeno aliviar de tensões,  que nada valerá se não for completado por outro tipo de medidas verdadeiramente transformadores.


5. Se os militantes do PS, se os militantes de todas as esquerdas, souberem  concentrar-se nestas questões, se conseguirem criar dinâmicas colectivas em torno delas, podemos ter esperança. Se tudo continuar no remanso das rotinas e das previsibilidades, cada um fechado nas suas luzidias razões, incólume ás opiniões diferentes, aristocrata da sua verdade olhada como única, mestre de uma visão da história tecida de anjos e demónios, é realista recearmos o pior.

Enquanto os de baixo e as suas organizações se digladiarem pelas suas diferenças e prezarem mais o que julgam ser a sua verdade do que a saída desta sociedade através de uma metamorfose libertadora, os de cima podem dormir descansados. Mas se os de baixo e as suas organizações aprenderem a pôr, ao serviço de um amplo movimento comum de mudança total, as suas ideias e as sua emoções, mesmo com todos os seus labirintos, os de cima perderão o sono. Os de baixo e as suas organizações não têm que ser o eco de uma só voz, mas têm que ser o colorido de uma única orquestra que nem precisa de ter maestro. Basta que os violinos dêem às trompas o direito de o continuarem a ser; e que estas se habituem ao entrelaçamento com eles.  Sem esperar guias, sem aguardar sinais de partida, é da responsabilidade de todos os de baixo porem-se a caminho já, cada um à sua maneira, mas fazendo também  com que as suas organizações se ponham a caminho.

Se soubermos partir rumo ao futuro, mesmo de sítios diferentes, um dia nos encontraremos numa  corrente histórica. Se esperarmos, pessimistas e desesperados, a oportunidade única de um caminho bem nosso, estacionados num pessimismo certamente esclarecido e rigoroso, apenas poderemos esperar encontrarmo-nos no futuro  coma nossa  própria solidão, dia após dia , ano após ano.

autor: Rui Namorado
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