quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Uma relação paradoxal e de pouca ética: desenrasque e burocracia

  Muitos caracterizam os Estados – incluindo o nosso obviamente - como “gordos e pesados”, referindo que isso - seja lá o que que quiser dizer - influencia negativamente a performance da economia de um país. Se a Administração Pública Portuguesa é pesada, ou não, é (um pouco) relativo, pois tudo depende do que se espera dela. Mas, a tendência, é para ser excessivamente burocrática – presa por grilhões e barreiras fastidiosas -, com restrições à inovação e uso da criatividade para a adaptar aos problemas e desafios que é suposto enfrentar. Quem conhece por dentro os processos - a panóplia de etapas, procedimentos, pontos de decisão, requerimentos, formulários e afins - compreende o porquê de algumas tarefas simples se tornaram incrivelmente morosas, tornando o serviço público por vezes ineficiente e nada célere. No entanto, verdade seja dita, até se percebe o porquê dessas restrições, pois inovar nem sempre é positivo – a história está cheia de exemplos de inovações catastróficas, já para não falar das pequenas inovações que levam ao “desenvolvimento particular à custa do coletivo” tal como a corrupção.

  Parece ser um contrassenso que um povo que é conhecido pelo seu natural “desenrasque” tenha criado um serviço e administração pública tão burocrático. Não seria normal esperar um grande sistema público de desenrasque? Não sei, provavelmente acabamos todos por ser “mais papistas que o papa”, importando modelos desajustados para a nossa realidade cultural e funcional. Se o desenrasque, e até uma certa desorganização, realmente nos está nos “genes” – pelo menos naqueles que nos passam pela educação, formal e informal – o excesso de burocracia pode ter sido a inovação negativa, confundida com o controlo e nível de planeamento que nos fazia falta enquanto povo, nação ou o quer que se lhe queira chamar. Acabamos por usar e abusar da burocracia, criando a ilusão de que assim se teria um melhor serviço público. Curiosamente, se há povo que desconfie dos portugueses somos nós mesmos - os próprios portugueses. Será isso? Será porque nos conhecemos bem, ou porque desenrascando preferimos desconfiar cegamente ao invés de construir uma confiança responsável? Chega de especulações, pelo menos tão insustentáveis.
  Então, e que dizer das aplicações nacionais dos Sistemas de Gestão de Qualidade (SGQ) – segundo a norma internacional ISO 9001 – tão na moda no sector privado? Apesar desse tipo de sistemas obrigar uma certa burocracia, a tendência é complicar muito mais os processos do que seria necessário. Então se a burocracia é tão criticada no sector público porque é replicada quando se implementa um SGQ numa empresa privada? A razão será a mesma da do sector público, interessa a “bandeira” mais do que os fins e princípios em si: entramos então no campo da ética e da real compreensão e objetivos do que se cria e implemente.
  Será que a tendência para a burocracia e redundância é mesmo genética? Duvido mesmo muito! A resposta talvez seja: nunca nos ensinaram a pensar de modo organizado, nem a escola nem a própria sociedade que nos criou e ajudamos continuamente a criar. Antigamente, lá para o Estado Novo, ensinava-se decorando, agora ensina-se tentando dar aos jovens o máximo de autonomia possível, o que pode contribuir para alguns individualismos nada benéficos. Provavelmente falta aqui um meio-termo, onde nos possamos organizar, partindo do conhecimento acumulado para a capacidade de quebrar alguns grilhões e barreiras que impedem um novo tipo de organização. Provavelmente é mesmo uma questão de ética, esse será mesmo o nosso maior défice ou deficit – jargão da moda em puro “economês”. Mais do que criar e conhecer as regras, há que compreende-las, de modo a poder melhora-las e substituindo-as por outras mais eficientes e eficazes sempre que necessário; abolir umas quantas quando forem redundantes e desnecessárias ou criar novas quando apenas a simples ética individual e coletiva não for suficiente para a regulação, pois estamos longe de sermos sempre racionais. No fundo, a própria ética gera ética, até porque a ética não é uma obra acabada - ela vai-se construindo -, basta é ter consciência da sua existência e todo o potencial que acarreta e dela pode advir.
  Não será o excesso de burocracia simplesmente umas quantas barreiras desnecessárias quando a ética de facto existe? Sendo isto transversal a toda a sociedade, todos os seus membros e atividades, mais do que ensinar doses massivas de conhecimentos, temos de ensinar à nossa juventude a mais-valia que é a ética nas suas vidas, públicas e privadas. Talvez assim os cidadãos portugueses do futuro evitem as pequenas e grandes burocracias redundantes nas suas vidas, aquelas que os impedirão de progredir sustentavelmente rumo a uma sociedade consciente.

autor: Micael Sousa

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