sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Agonia da Democracia Parlamentar e o surgimento da democracia especializada – Uma Nova chance para a democracia verdadeira?

Parece ser cada vez menor a capacidade do sistema político para intervir em defesa do Estado Social, para promover crescimento, regular o sistema financeiro e a globalização. Numa sociedade cada vez mais complexa, cresce a dúvida sobre a qualidade e alcance efetivo da governança política, nestes e em muitos outros aspetos.
O afastamento entre o cidadão e sistema político tem, também, vindo a crescer e começa a dirigir-se para o ponto de rutura, no qual grande parte dos cidadãos poderá recusar a legitimidade do sistema político e dos seus agentes.
James Fishkin
É virtualmente impossível que o cidadão consiga, efetivamente, avaliar a qualidade das governações, pois estas incidem sobre uma grande diversidade de assuntos complexos que, aliás, são influenciados por muitas variáveis que escapam ao controlo dos governos nacionais. Esta incapacidade de avaliação impede a realização da lógica democrática de controlo, pelos cidadãos, dos seus representantes, colocando em causa um dos pressupostos essenciais da democracia. Não é, pois, de estranhar a mediatização e o peso excessivo do marketing na orientação do voto do cidadão, incapaz de avaliar, de forma racional e devidamente informada, a globalidade das situações concretas.

As críticas ao défice informativo da democracia não cessaram de aumentar desde Anthony Downs, logo em 1957, passando, depois, pelos trabalhos da escola da Public Choice e pela teoria dos jogos, ao colocar a questão das assimetrias informativas entre representado e representante. O orçamento participativo e as sondagens deliberativas de James Fishkin são talvez as experiências mais conhecidas na tentativa de superação deste défice. Os conceitos e experiências de democracia participativa, preocupada com a devolução do poder aos cidadãos, bem como as reflexões e inovações no âmbito da democracia deliberativa, preocupada com o nível de informação e isenção que assiste à decisão, são dos conceitos hoje mais estudados da teoria política.

David Held
 Interessa, portanto, acentuar reformas no sistema político, capazes de garantir melhor controlo, qualidade e maior alcance da governança, através de menores assimetrias informativas, mobilizando os cidadãos para as difíceis tarefas que hoje se colocam.
A atual crise exigirá atuação a diversos níveis, desde a austeridade, até a promoção do crescimento, passando pela reestruturação do Estado, do tecido empresarial, dos níveis de protecionismo e globalização, da gestão da massa monetária, da cultura e da ética, das metodologias de trabalho e das atitudes, bem como de vários outros níveis que terão de ser geridos numa sinergia que exigirá uma governança de alta qualidade.

 Os princípios das reformas na governança devem ser uma maior participação, a transparência e o cuidado com a disponibilização da informação necessária à correta deliberação.
Por razões óbvias, as reformas devem ser, também, encetadas dentro dos partidos políticos, paralelamente a reformas, de sinal idêntico e progressivas, a nível de todo o Estado, administração pública, organizações da sociedade civil e empresas.

As deliberações políticas podem ser efetuadas por fóruns suficientemente especializados para poderem coligir e usar a informação relevante e, simultaneamente, abertos a todos os cidadãos.

Neste enquadramento podem emergir as seguintes propostas:
1.    Criar uma rede de fóruns temáticos, cada um correspondendo ao tema de cada uma das atuais Secretarias de Estado. Posteriormente, deverão ser criados fóruns progressivamente mais especializados. Criar, também, fóruns que, embora não correspondendo a esta estrutura, constituam temas agregadores, como fóruns vocacionados para questões de ideologia e desenvolvimento do pensamento estratégico social e económico, bem como fóruns vocacionados para a prospetiva geo-estratégica do mundo globalizado e para o desenvolvimento e promoção da ética.
2.    Dotar estes fóruns de meios eletrónicos de comunicação e deliberação, através da internet.
3.    Preparar e disponibilizar material pedagógico, formação e informação que permita a qualquer participante estudar e apreender, com a maior facilidade que as temáticas setoriais permitirem, as especificidades das matérias próprias de cada fórum, evitando o elitismo e o fechamento dos fóruns. A preparação de módulos, informativos e formativos, de caráter mais genérico (filosofia política, teoria do valor económico, ética, etc) devem, também, constituir uma vertente de uma democracia preocupada com a qualidade informativa das deliberações. Estes módulos devem estar organizados em níveis, permitindo que cada participante possa ir, progressivamente, percorrendo os diversos níveis de formação.
4.    Conceder, progressivamente, poderes deliberativos aos fóruns temáticos. O poder deliberativo deve ir passando dos órgãos tradicionais da governação para estes novos fóruns.
5.    Abrir os fóruns a todos os cidadãos mas limitar o número de fóruns a que cada um pode pertencer, de forma a permitir reflexão e deliberação aprofundada.
6.    De forma a evitar a captura corporativa dos fóruns temáticos, em cada fórum ter-se-á de separar as votações em duas câmaras, uma representado a procura e o consumidor e outra os profissionais do setor respetivo.
7.    Equacionar a possibilidade de cada cidadão escolher um seu representante no fórum ou em órgãos executivos que dele possam derivar mas reservar a possibilidade de substituir-se ao representante, sempre que o desejar.

Norberto Bobbio
Num sistema deste tipo, novos paradigmas de legitimidade democrática fazem a sua aparição em pleno, configurando uma democracia especializada e temática. Cada participante delega, na prática, nos outros participantes a legitimidade para assumir decisões em seu nome (decisões estas tomadas nos outros fóruns ou em derivados do fórum no qual participa), reservando, contudo a capacidade de retirar essa delegação sempre que o desejar. Bem distantes estamos do paradigma da representação tradicional, no qual um participante delega poderes, vastos e genéricos, nos representantes políticos que escolhe, através do seu voto.

A possibilidade dos cidadãos mudarem de uns fóruns para outros onde sentem que a governação não está a ser correta, poderá permitir um equilíbrio que realize o interesse geral.
A expetativa de revolução paradigmática na democracia pode ser o primeiro passo para um conjunto vasto de reformas económicas, mediáticas, culturais e éticas que, tal como a crítica à democracia parlamentar, estão há bastante tempo a ser estudadas mas que, infelizmente, continuam fora das agendas das democracias parlamentares, presas de oligarquias, excessivamente mediatizadas e permeadas pelo marketing massificador.

autor: José Nuno Lacerda Fonseca

5 comentários:

  1. Propostas especialmente valiosas para o início de uma mudança imperativa no modo como funciona o nosso sistema político. As propostas podem parecer de difícil realização mas, hoje em dia, com a tecnologia ao nosso dispor poderemos facilmente começar a testar este modelo de envolvimento e participação política. Os partidos deveriam ser os primeiros a dar o exemplo, a testar esta nova forma de fazer mais e melhor democracia.

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  2. Pois é Micael mas os partidos não estão interessados nisso...

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  3. Pois, pelo modo como alguns têm funcionado a simpatia que se esperará não será muita, mas inevitavelmente as coisas terão de mudar. O nosso tempo é de mudança, os sinais são evidentes.

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  4. Os partidos q não se interesaram por grandes renovações irão desparecer. A revolução já começou. Pode até acabar amanhã, se um milagre salvar a economia capitalista no sul da Europa mas duvido.
    José Lacerda Fonseca

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  5. Os Partidos "somos nós" assim estejamos abertos a mudanças. Como diz o Micael que eu conheço relativamente bem, "os tempos são de mudança". eu acredito nele que é novo e ela tem que ser feita com eles, os novos.

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