terça-feira, 2 de agosto de 2011

Habitação a Custos Controlados – uma oportunidade por aproveitar

Mesmo nos dias que correm, o conceito de “Habitação a Custos Controlados” ainda causa estranheza por Portugal. Muitos confundem o termo com “Habitação Social”. Apesar disso, a legislação nacional que trata o assunto surgiu nos anos 80 e continuou a especificar-se ao longo dos anos 90 do século passado. Ou seja, o conceito não tem nada de novo. Mas não perdemos nada em apresenta-lo para que o possamos conhecer melhor e discutir. 

% de produto líquido produzido por sector de actividade em 2009 - fonte: Pordata
Primeiro, apesar do conceito não ser novo, não é fácil encontrar uma definição absoluta. No Portal do Cidadão existem uma definição que, apesar de correcta, não revela todas o potencial do conceito, algo que diz mais ou menos isto: Habitações de Custos Controlados (HCC) são habitações construídas com o apoio do Estado, que, para o efeito, concede benefícios fiscais e financeiros. Por o conceito significar muito mais e abrir muitas perspectivas para além das referidas - que até podem soar a "subsidio-dependência" -, testo e apresento aqui uma (re)definição, tendo em conta o modo como todo o sector imobiliário e das construção poderia ser reformulado para maior benefício dos cidadãos.  Faço então a minha proposta de definição, com evidentes fins ideológicos e políticos, para "habitação a custos Controlados": Construção de habitações em que os custos para o utilizador/residente sejam controlados de modo a evitar a especulação imobiliária, garantindo qualidade das soluções construtivas e materiais utilizados (por parte de entidade promotora pública ou cooperativa/mutualista).
Esta definição foca, muito particularmente, a possibilidade em se poder evitar a especulação imobiliária. Essa possibilidade seria de facto benéfica para o cidadão comum e liga-se evidentemente ao pendor, tradicional, de regulação dos mercados que o Socialismo Democrático assume enquanto ideologia, com o intuito de proteger o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos em detrimento dos especuladores. Mas será isso possível ou até pertinente?
Atendendo à realidade nacional, especialmente quando se perde capacidade de consumo e o acesso ao financiamento a crédito é cada vez mais restrito, é imperativo adoptar comportamentos sustentáveis em todas as áreas. Aliás, mesmo se uma "crise" não vigorasse, a boa gestão - sustentável - deveriam ser sempre o fio condutor de governação das coisas públicas e privadas.
Mas vamos a números. A actividade da construção representa 10,1% do total da actividade económica (1) e quando somamos os calores líquidos da actividade da construção e imobiliário o valor percentual quase chega aos 25% em alguns anos (1). Olhando agora para os custos para o consumidor, segundo publicação oficial do INE (2) os custos, proporcionais, em adquirir ou arrendar habitação, aumentaram consideravelmente a partir dos anos 80 até ao presente. Sendo isso acompanhado de um crescimento fulgurante do sector da construção e do imobiliário, tal como o crescimento da especulação imobiliária. Ou seja, muito dos aumentos destes custos transitaram directamente para as famílias. 

crescimento da população e número de fogos nos último 40 anos - fonte: Pordata
Por outro lado, a "explosão" da actividade de construção em Portugal teve, de um modo muito evidente, um imenso impacto no (des)ordenamento e (infra-)urbanização do território. São vários os autores e obras (3)(4) que referem a incapacidade, hoje e no passado, de planear e construir cidades de um modo sustentável e equilibrado. Os Planos Directores Municipais (PDM) surgiram tardiamente e, em muitos casos, serviram apenas para legalizar territórios “mal urbanizados”(3)(4). Em muitos casos os solos encontravam-se já excessivamente ocupados, sem equipamentos, com infra-estruturas e zonas verdes adequadas; ou então com uma ocupação urbana tão rarefeita e dispersa que que se torna insustentável(5). No fundo, o Estado central e o Poder Local perderam, por interesse (pois dependiam financeiramente da colecta das taxas processos de legalização dos novos empreendimentos)(3) e por incapacidade (falta de meios de fiscalização) (3), o controlo da situação e, regra geral, imperou a desregulamentação e a falta de planeamento que garantisse a sustentabilidade ambiental, económica e social. Reinou a especulação e a desregulamentação.
Vista do cento de Amesterdão
Voltando à Construção a Custos Controlados, quando o Estado, as Autarquias locais, as Cooperativas ou Mutualistas - todas elas entidades que não primam sobretudo pelo lucro financeiro (6) -, abrir-se-á uma nova oportunidade de ter melhor habitação e melhores cidades. Só haveriam novas construções se fossem os organismos públicos a decretar quais as necessidades de expansão (ver caso da história urbana de Amesterdão); seriam as mesmas entidades públicas, cooperativas e mutualistas a lançar os empreendimentos com base em projectos sustentáveis em que os preços reflectissem o valor real do novo património edificado; a fase de projecto e construção seria acompanhada por várias entidades onde o objectivo fosse a qualidade e controlo de custos para os utilizadores finais.  Claro que estas hipóteses e metodologias teriam de ser flexíveis e não fechar o funcionamento em paralelo de um mercado livre imobiliário; os dois modelos poderiam coexistir e os cidadãos optar por a habitação a custos controlados de modo a garantir o acesso a habitação de qualidade "standard pagável". De muitas outras possibilidades, essa pode ser um modo de evitar que o lucro especulativo condicione todos os preços e acabasse por permitir que uma franja da população possa efectivamente sustentar as suas necessidades de habitação. Os custos para os compradores podem ser reduzidos e a qualidade garantida. Mas para isso tem de haver capacidade de investimento das entidades públicas, cooperativas e mutualistas que assumam esse papel. Trata-se de  uma questão de investimento e prioridades, de ter meios para atingir determinados fins.
Para além da garantia dos preços, este modo de gerir a construção permitiria de facto planear e pensar as cidades, evitando a disfuncionalidade dos tecidos urbanos. Será inegável que a especulação, a desregulamentação e falta de controlo dos projectos (desde a facção até toda a urbanização), contribuem fortemente para o mau funcionamento e desempenho ambiental e social das cidades, já para não falar nos evitáveis custos de infra-estruturação (7)( ver texto: Transportes urbanos e habitação - uma relação indissociável de custos), manutenção e seu funcionamento - quer seja como edifício isolados ou como malhar urbanas de conjunto.

Referências bibliográficas:
(1) http://www.pordata.pt
(2) Alojamentos clássicos, ocupados pelo proprietário, por época de construção dos edifícios, por escalões de encargos (em %), Portugal, 2001.“A maior parte das famílias alojadas em edifícios construídos até 1945, tinha encargos mensais por compra mais baixos, com destaque para o segundo escalão mais baixo (59,86 a 199,51 euros). Nos edifícios construídos após 1945, os alojamentos foram adquiridos principalmente por famílias com encargos mais elevados, oscilando os valores mensais entre os 199,52 e os 399,03 euros". À medida que a época de construção dos edifícios se torna mais recente, diminui o número de famílias com o nível de encargos mais baixos, e simultaneamente, aumenta o número de famílias com encargos mais elevados, principalmente em alojamentos construídos nos anos noventa do século passado”. Fonte: censos 2001.
(3) Portas, N., Á. Cabral, et al. (2007). Políticas Urbanas - Tendências, estratégias e oportunidades. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
(4) Domingues, Álvaro, et al. (2006). 30 Anos Transformação Urbana em Portugal. Lisboa, Argumentum.
(5) Paiva, J. V., J. Aguiar, et al. (2006). Guia Técnico de Reabilitação Habitacional. Lisboa, LNEC.
(6) A economia social - uma alternativa ao capitalismo (mais informação em: http://pt.mondediplo.com/spip.php?article628)
(7) Murta, Daniel (2010). Quilómetros, Euros e Pouca Terra - Manual de Economia dos Transportes. Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.


autor: Micael Sousa

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