quinta-feira, 7 de abril de 2011

O tesouro das prateleiras

É nos momentos de maior dúvida e intranquilidade que somos levados a recorrer às prateleiras mais poeirentas das estantes, onde repousam os eternos clássicos. É lá que reencontramos os instrumentos de análise mais sólidos e distanciados das urgências de curto prazo, estruturados à luz de um saber entretanto depurado. Eu, nestas alturas, volto sempre a Kant que, já no século XVIII, concluiu que a ciência humana trata do mundo fenomenal, incapaz de estabelecer, pela razão, “verdades” metafísicas absolutas e que o acaso e o tempo subjectivo são factores de grande relevância nas nossas vidas. Se, com a devida distância crítica, usarmos o postulado de Immanuel Kant, na observação da conturbada época actual, percebemos que perante o incómodo da imprevisibilidade da história e da imperfectabilidade humana, se impõe valorizar a ética individual como guia de sobrevivência em sociedade. Ao contrário do que alguns supuseram, ainda estamos longe de patamares civilizacionais irreversíveis. As forças que nos abalam a viagem são tão poderosas e contraditórias que para vencermos, lá mais à frente, esta curva apertada do tempo, emerge a vontade implícita no “imperativo categórico” de Kant que recomenda que todas as pessoas devem agir “com base no princípio que, simultaneamente, desejariam que fosse uma lei universal”. Mesmo que, aparentemente nos pareça uma proposta demasiado simplista e até óbvia, esta afirmação contém a síntese absoluta de uma existência em comum mais justa, pacífica e equilibrada. Não será bastante para dela fazermos, hoje, uma bandeira da esquerda democrática ?

autor: Pedro Melo Biscaia

3 comentários:

  1. Nesta altura de grande indefinição sobre o que é o certo e o errado, sobre que tipo de sociedade desejar e até sobre o que nos faz realmente felizes, é bom voltar ao básico. Esta já velha ideia de Kant está expressa no ditado popular (será de origem biblíca?) "trata os outros como queres que os outros te tratem". Creio que a mesma ideia está presente na famosa ideia de Locke "a tua liberdade acaba onde começa a do outro". Tenho para mim que por estas ideias se encontram as bases de qualquer ética.
    José N. L. Fonseca

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  2. Aqui não posso deixar de citar uma frase de de quem achei muita piada a primeira vez que a li. "não faças aos outros aquilo que gostavas que te fizessem a ti, pois eles podem ter gostos diferentes". Apesar de impelir ao egoísmo e à falta de fraternidade, faz nos pensar - a rir, pois é uma piada - sobre esta coisa de "fazer o bem".

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  3. Tens razão Micael. Essa é outra vertente indispensável da ética - a aceitação da diferença entre os seres humanos. Mas as ideias que expressei referem-se mais a médias entre o ocnjunto dos indivíduos. Se uns querem umas coisas e outros querem outra, uma média e uma latitude de variação vão emergir nos princípios éticos.
    Rawls tem uma forma interesante de recolocar esta questão: faz aos outros o que queres q eles te façam supondo que tu não sabes quem és.
    José Nuno Lacerda Fonseca

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