sábado, 26 de fevereiro de 2011

O debate mais decisivo sobre o futuro da nossa democracia

Com as eleições directas do PS e processo de revisão de estatutos do PSD, está  hoje a decorrer nestes partidos, um debate e escolha decisiva para o futuro da nossa democracia.

Refiro-me ao debate que opõe duas visões muito diferentes sobre a democracia interna destes partidos: uma que defende o modelo actual  em que a escolha de todos os candidatos do partido (desde as listas de deputados ao candidatos às câmaras) devem  ser da responsabilidade exclusiva da direcção do partido, a outra, que defende uma transferência de poder de escolha das direcções do partido para os militantes e cidadãos, através de eleições primárias (com variantes que não alteram a visão base, como por exemplo, a direcção do partido pode ter uma quota de candidatos a deputados escolhidos por si)

Esta segunda visão, preconiza na prática uma mudança significativa na distribuição de poder dentro de um partido e na sua dinâmica democrática. Os militantes ganham muito mais poder na escolha dos candidatos do partido, os candidatos passam a depender da sua vontade e do seu trabalho político para serem escolhidos (e não de um qualquer convite do líder ou dirigente). As implicações desta mudança são significativas para a vida política nacional. Por exemplo, os deputados não precisam de ter medo de  "discordar" do líder do partido ou de qualquer dirigente, pois a sua eleição para deputado não depende deles: eles têm legitimidade própria. Alguns poderão  assumir-se sem medos, como "potenciais" futuros lideres do partido, introduzindo concorrência saudável no partido, o oposto da situação actual.

Arrisco a dizer que há paralelo significativo entre este debate que hoje se dá no PS e PSD sobre as suas democracias internas, e o debate que Mário Soares e Álvaro Cunhal travaram há 35 anos sobre como deveria ser a nossa democracia. Um com uma visão de aprofundamento da democracia, outro com medo da democracia.  As implicações sobre a qualidade da nossa democracia de uma ou outra visão, são tão grandes como o eram as do debate há 35 anos
Debate televisivo entre Mário Soares e Álvaro Cunhal em 6 de Novembro de 1975
A principal diferença do debate de hoje do de há 35 anos, é que estamos muito desatentos ao mesmo.

É responsabilidade de todos os cidadãos e militantes atentos trazer este debate para a opinião pública, porque este, não é um problema interno destes partidos, mas sim, uma questão decisiva sobre o futuro da nossa democracia.

autor: João Nogueira Santos 

3 comentários:

  1. Gostava que o João Nogueira Santos explicasse como evitar algumas desvantagens que me parecem poder existir no sistema de eleição directa de candidatos a deputados.
    1. Os grupos parlamentares deixariam de poder constituir equipas multidisciplinares. Haveria o risco de serem todos mais especializados numa certa área (segurança ou ambiente ou turismo, etc.) ou de sem todos generalistas (hipótese mais provável).
    2. A prevalência dos interesses locais sobre os nacionais (certamente que teriam mais possibilidades os que se arvorassem em defensores desta ou daquela região).
    3. Um incremento do individualismo, já que não haveria votações em equipas.
    4. Um incremento do marketing superficial de cada candidato e quiçá do clientelismo. Como seria possível estudar as ideias de todos para a governação do país? Mesmo no actual sistema as moções globais são muito pouco estudadas. Havendo dezenas de moções globais creio que o ruído iria dissuadir o real debate das propostas.
    Seria interessante que estas eleições fossem disputadas entre correntes de opinião? Contudo, isso não seria excessivamente parecido à prática actual dos congressos?
    Estou de acordo que mais uma eleição interna seria mais uma oportunidade de debate. Mas não seria melhor, em alternativa, levarmos mais a sério o debate sobre moções sectoriais (a nível federativo e nacional)? Tal poderia dar um efectivo debate de ideias e não um digladiar de redes clientelares?
    Por último, não tenho a certeza de que, se este novo esquema existisse há alguns anos, teríamos evitado a crise do Estado Social, energética e ambiental. Duvido um pouco da sua enorme relevância.
    Não posso acabar este comentário sem agradecer, ao autor ,o empenhamento no debate de ideias, a sua lucidez, clareza e a coragem de se arriscar contra os interesses estabelecidos.

    José Nuno Lacerda Fonseca

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  2. Caro José,

    Muito obrigado pelo seu comentário e palavras finais. As questões que coloca são sem duvida relevantes.

    Há sem duvida aparentes desvantagens por um modelo de primárias, a principal, é saber, qual será o resultado qualitativo global, sendo que, concordará do ponto de vista de democracia interna e representatividade dos deputados, este modelo encerra grandes vantagens. Respondendo às questões em concreto:
    1 - Há formas de assegurar que o partido mantém um grupo coeso e com competencias diversificadas de deputados. Uma das formas é assegurar que a direcção do partido tenha uma "quota" de candidatos relevante, que lhe garanta uma base de deputados capaz de assegurar a condução política do seu programa (por exemplo 40%). O camarada Celso Guedes de Carvalho no meu livro "Viagens no meu partido" concretiza ao detalhe uma proposta com este formato

    2 - Não vejo problema nisso. Um dos problemas do nosso interior, é que não tem deputados com peso político para defenderem a sua região, porque dependem das escolhas da direcção. Os deputados que se entrincheirassem em posições regionalistas extremas, perderiam a credibilidade e força política. Deixariam de ser úteis aos seus eleitores, perdendo o apoio destes e dos militantes que os escolheram. A democracia é dinamica

    3 - Precisamos de mais individualismo em Democracia, de mais Políticos com coragem para dizer o que tem de ser dito, de votar de acordo com a interpretação que fazem da vontade de quem representam e de acordo com a sua consciência. De qualquer forma, podem-se criar regras de que, qualquer candidato a deputado do PS tem o dever de votar com a direcção do partido nas votações de governabilidade, É obviamente fundamental, assegurar que os deputados do partido, são eleitos em primeiro lugar para ajudar o partido a conduzir o seu programa político com que foi eleito

    4 - Muitas coisas mudariam na vida interna do partido. Mais marketing pessoal sem duvida, e isso é excelente. Marketing é em primeiro lugar perceber os anseios e preocupações das pessoas e depois encontrar respostas. Candidatos a deputado que não fizessem esse trabalho, seguramente seriam penalizados pelos seus militantes.

    Em suma, com vontade e reflexão cuidada, conseguir-se-á encontrar soluções de compromisso que garantam as vantagens dos dois modelos e minimizem as suas desvantagens, conseguindo assim o partidos, evoluir na direcção de uma maior democraticidade e de uma nova praxis política, mas em linha com as democracias mais maduras.

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  3. Começo a ficar convencido que seja uma boa ideia. Contudo, algumas afirmações preocuparam-me um pouco. Quero também dizer um pouco mais sobre a evolução dos partidos.

    1. Estou de acordo. Penso que essa é uma boa solução para o problema.

    2. Creio que é de um optimismo muito grande dizer “Os deputados que se entrincheirassem em posições regionalistas extremas, perderiam a credibilidade e força política. Deixariam de ser úteis aos seus eleitores, perdendo o apoio destes e dos militantes que os escolheram”. Isto é supondo um eleitorado mais nacionalista que regionalista. Exemplos como os de Alberto João Jardim e do queijo limiano levantam dúvidas sobre esta tese. Numa altura de perda de ideologias creio que as pessoas ficam mais individualistas e logo mais regionalistas que nacionalistas.

    3. Não quererá dizer que precisamos de menos conformismo? O problema de todas as sociedades foi sempre o excesso de individualismo. Se as pessoas fossem muito altruístas e cooperantes não existiriam problemas sociais.

    4. Refere-se ao marketing ideal. Infelizmente o marketing real é manipulativo - trata-se de perceber os anseios das pessoas a que podemos responder, convencendo-as que esses é que são os importantes (Afinal estamos de acordo que o consumismo é reprovável? Estamos de acordo que existe muita demagogia?).

    5. Ficaram por comentar três questões que coloquei. “Como seria possível estudar as ideias de todos para a governação do país? Mesmo no actual sistema as moções globais são muito pouco estudadas. Havendo dezenas de moções globais creio que o ruído iria dissuadir o real debate das propostas”. “Mas não seria melhor, em alternativa, levarmos mais a sério o debate sobre moções sectoriais (a nível federativo e nacional)? Tal poderia dar um efectivo debate de ideias e não um digladiar de redes clientelares? Por último, não tenho a certeza de que, se este novo esquema existisse há alguns anos, teríamos evitado a crise do Estado Social, energética e ambiental. Duvido um pouco da sua enorme relevância.”

    6. Já agora deixo aqui, telegraficamente, algumas ideias para tornar os partidos mais de ideias e ideais do que de carismas, demagogias, populismos e marketing pessoal. A) Secções temáticas é que fazem programas de governo (e as secções das correntes e opinião é q fazem moções globais). B) Secções devem estar associadas a bibliografia, ordenada por importância. Num futuro mais distante o voto deverá ser ponderado em função do nível de conhecimento. O primeiro texto publicado neste blogue (socialismo de mercado e democracia socialista) talvez ajude a perceber o carácter da democracia cognitiva. C) Partidos devem contratar serviços externos para contribuírem para actualização desta bibliografia e terem definidos os métodos internos que contribuam para a referida actualização. D) Secções não se devem restringir a temas sectoriais mas devem também existir secções de coordenação e temáticas gerais (economia socialista, democracia socialista, fundamentos do socialismo, cultura socialista, estratégia de desenvolvimento de Portugal). E) O benchmarking da inovação e sistemas de debate de novas ideias devem estar plasmados nos regulamentos do partido. F) As moções sectoriais podem ser apresentadas a qualquer momento e devem ir sendo votadas, desde a sua apresentação nas secções ou comissões concelhias, até chegarem à votação na comissão nacional. Tal como as sociedades devem projectar-se na economia do conhecimento, acho q também devemos caminhar para partidos cognitivos.

    Muito obrigado por tanto trabalho a responder-me ponto por ponto. Espero que mantenha a determinação no seu projecto. Estou de acordo que, com alguns cuidados organizativos, poderá ser importante.

    Abraço

    José Nuno Lacerda Fonseca

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