terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A ascensão do Marketing e a queda das Ideologias nos partidos políticos

A perda do cariz ideológico e doutrinário dos partidos não reside numa só proveniência, nem essas supostas várias origens devem ser vistas separadamente, mas sim como sistemas de interdependências de  causas/efeitos. Começo o texto com a afirmação anterior porque, nos dias que correm, os partidos políticos transparecerem que, consciente ou inconscientemente, os valores e os preceitos que antigamente, nem que fosse através de jargões próprios politizados, serviam para os distinguir, e/ou agrupar em micro e macro famílias políticas ou correntes filosófico/ideológicas, estão a ser deixados de lado. Mesmo que a afirmação que previamente fiz esteja incorrecta e desfasada da realidade interna que se vive nos vários partidos, pelo menos a mensagem que vai passando para fora das estruturas partidárias é essa, e isso parece ser ainda mais evidente nos partidos mais chegados ao "Centro".
Segundo Carlos Jalali, na obra "Corrupção e os Portugueses - Atitudes - Práticas - Valores" - obra já anteriormente citada no blogue para fundamentar o texto que ligava o enfraquecimento da democracia ao fortalecimento da corrupção ou vice-versa –, o afastamento dos cidadãos face aos partidos políticos está a torna-los [os partidos] mais propensos a actos de corrupção, quer a financeira quer a ideológica - aquela que aqui pretendo tratar. Leiam-se na integra as palavras a que me refiro: “Por um lado, este afastamento leva a uma redução do número de militantes, reduzindo as receitas provindas dessa fonte. Por outro lado, aumenta os custos: os partidos não podem recorrer aos seus militantes para as suas campanhas, tendo de recorrer a outras e dispendiosas formas de campanha. Por outro lado, a consequente redução da identificação partidária obriga os partidos a competirem por um mercado eleitoral mais amplo, o que também obriga a maiores gastos.”
Assim, os partidos, envoltos numa espiral de escassez de militantes - até porque dificilmente alguém se identifica com o "nada" -, vontade de fazer campanhas e necessidade de captar votos, colocam-se numa situação político-ideológica insustentável, ficam cada vez mais dependentes do marketing, ficam presos à personalidade e imagem dos seus candidatos e não forçosamente às ideias e aos conteúdos de um grupo ou cultura política. Os baixos níveis de participação política dos portugueses e a ascensão do culto do consumo, do consumo em massa - aparentemente agora virado para distinção, mas que é apenas de aspecto e não verdadeiramente de conteúdos -, sonegam, também por si só, os valores ideológicos - que são tendencialmente actos de cooperação intelectual, nem que seja indirectamente - para segundo plano. Na ânsia de se chegar a um público maior, aquilo que antes distinguia candidatos e partidos, passa agora a ser algo mais mainstrem e capaz de agradar a todos. Como o sucesso político depende cada vez mais do sucesso das campanhas eleitorais e não dos valores em si, a base de apoio humano é intermitente e efémera. O facto dos partidos, pelo menos os maioritários e aqueles onde o Socialismo Democrático tem teoricamente a sua base de apoio lógica, tenderem a tornar-se aparentemente indiferenciados para o exterior - para a sociedade civil -, de passarem a ideia de que, fora as estratégias de campanha - muito ligadas ao marketing eleitoral de circunstancia -, contribui para a ideia de indistinção entre partidos. Daí ser comum ouvir-se da boca do cidadão comum o preocupante chavão: "são todos iguais, só muda a cor". Mas este estado de coisas - as coisas sociais e políticas -, só se alterará, na parte respeitante aos  partidos, quando se começar a utilizar o marketing em prol da diferença ideológica, da sua disseminação diferenciadora junto da população e até como reforço interno no seio dos próprios partidos e instituições políticas. Só será possível clarear a opinião pública e definir posições com clareza quando o marketing for uma ferramenta ao serviço da política e das ideologias e não o contrário, ou outro qualquer desvirtuamento. Urge informar, distinguir e definir,  só assim se conseguirá manter a independência intelectual dos partidos e enche-los com militantes e apoiantes que os reforcem com mão-de-obra operacional e intelectual. Arrisco-me a dizer que, se isso não for feito, evitando formas comunicativas  que reduzem a informação a um "nada" de conteúdos, os partidos deixarão de ter sentido de existência fora e até durante as campanhas eleitorais.
Na obra "Marketing Político e comunicação política" - livro que recomendo para a compreensão de alguns conceitos e assuntos ligados ao marketing político e eleitoral, e até dicas para a execução de campanhas do ponto de vista técnico da comunicação - , coloca-se ao mesmo nível os preconceitos e as ideologias dos eleitores, sem uma ressalva - pelo menos uma que eu tenha notado - em que se considere esses ideologias ou valores como podendo advir de processos intelectuais de análise e tentativa de procura das melhores opções ou ideias políticas . Apesar desta obra ser riquíssima para compreender os fenómenos do Marketing Político e Eleitoral, infelizmente, fazendo aqui uma generalização, ela pode levar-nos a concluir que o marketing está a suplantar os valores doutrinários e ideológicos. Mas até nem será preciso ler nenhuma obra sobre marketing para chegar a essa conclusão, se calhar basta assistir e reflectir sobre algumas campanhas concretas.

Voltando às palavras com que iniciei este texto, seguramente que a desvalorização das ideologias não se deve a um só factor, deve-se a muitos e a muitas vontades (ou falta delas), numa clara relação com a informação (ou também falta dela), tudo remexido no caldeirão imprevisível de uma sociedade dita da informação (real ou ilusória). Todos os envolvidos nestas problemáticas anteriormente abordadas terão a sua responsabilidade pelo decaimento da importância dos valores e das ideologias, enquanto algo de útil politicamente. O cidadão tem a sua quota parte de culpa: pela incapacidade  e indisposição natural para a participação política ou pelo menos para se informar devidamente sobre o que diz respeito à sociedade, o modo como existe, se organizar e se de gerir - uma quase definição do que é, ou devia ser, a política . Mas os partidos, ao optarem pela via mais fácil a curto prazo, mas mais perniciosa a longo termo, tendem a afastar até mesmo os cidadãos que se identificariam com suas matrizes dos valores, pois tendencialmente recorrem a grandes campanhas de marketing eleitoral, vazias de conteúdos, dispendiosas e propensas a práticas de corrupção, quando o poderiam evitar através de uma base sólida de apoiantes e militantes coordenados e motivados por valores e ideias comuns - a dita ideologia. Há que colocar o Marketing ao serviço dos valores políticos e não os valores do marketing ao serviço da política.

  Como se esperar que o cidadão, mesmo aquele relativamente formado e informado, distinga e diferencie, do lado de fora das estruturas partidárias, quando tudo o que lhe é apresentado soa a vazio e a produtos de cosmética de circunstância matizados para simular distinção?

autor: Micael da Silva e Sousa

7 comentários:

  1. Olá Micael, em q momento é q as ideologias precisaram de recorrer a uma técnica de venda para se imporem? Não há algo de eticamente errado nisto? Há anos que sociólogos, filósofos, politólogos críticos escrevem sobre as consequências nefastas da matriz ideológica (falsamente neutral) da globalização económica. No fundo o que acontece é que neste modelo tudo é passível de ser comercializado, até as ideias. Quando os teóricos críticos se recusam a apresentar as suas ideias como um produto vendável, contribui-se de forma activa e "conveniente" para o seu silenciamento, com isto perde-se o quê? Massa crítica. O ostracismo a que foram votados os teóricos das ciências sociais e humanas contribuiu para a decadência das humanidades e o advento e maximização das teorias económicas como modelos objectivos, o que ajudou a propagar a falsa neutralidade do Consenso de Washington. O facto das Universidades terem sido "atacadas" pelo neoliberalismo, não me parece de todo inocente. Não há algo de suspeito no facto de políticos socialistas terem sido veículos activos de políticas neoliberais? Não haverá uma espécie de impregnação ideológica (falsamente neutral) nas instituições europeias e multilaterais?
    Estamos neste momento a virar a página, mas a desneoliberalização das instituições multilaterais não deverá ser algo de muito fácil, a matriz americana e alemã prevalecerão durante algum tempo, pelo menos enquanto a Alemanha for o motor da Europa e a América do mundo. Uma lição: as teorias, sejam elas quais forem, terão de ser vigiadas, nenhuma será perfeita como modelo societal. As duas grandes linhas ideológicas da modernidade (socialismo e liberalismo) já provaram as sua insuficiência enquanto modelos únicos. Daí que precisemos de rever criticamente os seus pressupostos. A pergunta a fazer-se é a seguinte: um modelo societal refém de instituições bancárias, e sua lógica de funcionamento, será um modelo saudável para a vida das populações e Estados-Nação? Não me parece por uma questão simples: uma das dimensões da actividade humana é a sua capacidade de construir riqueza, mas esta é apenas uma das suas dimensões. Há vida para lá do lucro, logo nem tudo é passível de "marketização".

    Parabéns pelo artigo.

    Vera Carvalho

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  2. Só um curto comentário de esclarecimento face ao comentário anterior.
    Aqui o potencial do marketing não seria como ferramenta para vender, a ideia que defendo - do marketing ao serviço da política - seria simplesmente para fazer passar a mensagem, fazer passar os valores e ideologias, as ideias e os princípios de um modo simples e perceptível. Quer queiramos quer não, o marketing tem esse potencial, se correctamente usado é claro

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  3. Micael,
    Eu percebi a sua ideia, estava a debater as causas, não os efeitos. O advento do marketing político é apenas um efeito colateral de um modelo de sociedade cujos fundamentos de regulação são ditados pelo mercado (Consenso de Washington). Pesquise declarações de banqueiros (Fernando Ulrich e Ricardo Salgado) e verifique se não têm discursado acerca da necessidade de liberalizar o mercado de trabalho, a mesma retórica do FMI, BM e UE, o mesmo modelo de regulação: mercado a maximizar a sua influência face ao Estado e à sociedade civil.

    Cumprimentos,
    Vera Carvalho

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  4. Creio q o vazio d que fala o Micael é o de reformas que possam dar garantias contra novas crises financeiras, contra o acentuar das desigualdades, contra o despesismo, contra o aumento da insegurança, contra o declínio do Estado Social, contra a crise climática e energética, contra o crescimento económico medíocre, contra o clientelismo, contra o cavalgar da depressão e da ansiedade na sociedade industrial, contra a degradação da ética. Mais mercado, mais conhecimento tecnológico e mais descentralização regionalista são propostas estafadas. Pequenas reformas sem alcance para fazer face à magnitude destes problemas também não respondem às necessidades.

    Nem é preciso imaginação - novas teorias das reformas existem um pouco por todo o mundo e por vários quadrantes intelectuais mas a classe política teima em ignorar, talvez convencida q o marketing, sondagens e retocar propostas estafadas ou pequenas reformas bastam para perpetuar o poder. Não bastam e vamos todos dar-nos muito mal com esta quase cegueira de regime decadente. Foi a cegueira dos patrícios romanos, foi a cegueira da monarquia, é agora a cegueira do republicanismo parlamentarista. Custa a perceber como tanta gente inteligente e sincera que existe na classe política se deixa arrastar para o lodo do conformismo com umas moscas de inovação - marketing dixit. Claro que a dominação dos media e da economia sobre a democracia lhes deixa pouco espaço. Mas é contra isto q, primeiro q tudo, devem actuar. São conhecidos muitos modos de o fazer. Espero que se comece a tomar consciência da profundidade, civilizacional e histórica, desta crise dos últimos 20 anos que agora ganha novos contornos mais evidentes. Só há uma resposta – uma sociedade socialista, democrática e humanista, respeitadora de todas as classes e com um projecto reformista amplo e de longo prazo.

    José Nuno Lacerda Fonseca

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  5. Micael da Silva e Sousa
    meu e-mail joaobosco.nolasco@hotmail.com
    preciso de um partido pra contribuir ativamente na política???

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  6. Micael da Silva e Sousa;
    meu face joao bosco nolasco
    meu e-mail joaobosco.nolasco@hotmail.com
    preciso de sua ajuda vou escrever um livro e preciso que ouça a minha idéia. obrigado.

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  7. Caro João Bosco Nolasco. Não precisa forçosamente de um partido para ter participação política. Há formas de o fazer como cidadão individualmente ou noutro tipo de associações. No entanto, para ter o máximo de intervenção política terá de participar sempre num partido, mesmo que muitos se recussem em optar por essa nomenclatura. No fundo os Partidos serviram, inicialmente, para que não fossem apenas os muitos ricos a poderem fazer campanha. Vale a pena relembrar isso.

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