domingo, 9 de janeiro de 2011

Vida e Obra de Bernstein - O Fundador do Socialismo Democrático

Edward Bernstein - 1985
Edward Bernstein é considerado o pai do socialismo democrático, por entender a democracia e a economia mista como o único meio para o socialismo, bem como componente indispensável para o futuro das sociedades.
Nasceu em 1850, em Berlim, de ascendência judaica, vindo a falecer com oitenta e dois anos. Começou a interessar-se por política aos vinte e dois anos. Em 1875, ainda com vinte e cinco anos, colaborou na unificação dos dois partidos de esquerda (os Eisenachers e os Lassalleans), consubstanciada no famoso programa de Gotha, fortemente criticado por Karl Marx.
Devido às leis anti-socialistas, de Bismarck, foi obrigado ao exílio, aos vinte e oito anos, primeiro na Suíça e depois em Londres, após ter sido expulso da Suíça.
De 1880 a 90, durante os seus trinta anos, foi o editor do magazine "Sozialdemokrat”. Escreveu vários artigos que deram origem ao chamado debate “revisionista”, no SPD alemão, mas apenas escreveu um livro (Os requisitos do Socialismo e o Futuro da Social-Democracia (Die Voraussetzungen des Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie". Da polémica suscitada ficou um testemunho, pela oposição de Rosa Luxemburgo, no livro “Reforma ou Revolução” desta autora.
Em 1901, voltou à Alemanha, tendo sido membro do Parlamento (Reichstag), até 1928, quase ininterruptamente, vindo a falecer quatro anos depois de se retirar.
Reichsgesetzblatt 34 de 1878

No primeiro capítulo do seu livro (escrito aos quarenta e nove anos de idade) tentou mostrar que o marxismo não é um determinismo economicista. Com o intuito de convencer os leitores que as suas teses eram um desenvolvimento racional do marxismo, quis provar que Marx e, sobretudo, Engels admitiam que uma nova fase das relações de produção (fase pós-capitalista) exige não só o pleno desenvolvimento da fase anterior mas, também, exige que se criem novas evoluções culturais e teóricas, nomeadamente uma teoria de direitos do cidadão.
No segundo capítulo, tentou mostrar que as grandes transformações sociais não são abruptas, obtidas por um golpe revolucionário violento. Explicou que a dialéctica hegeliana trouxe essa ideia para o marxismo e por isso deve ser repudiada completamente, pelo radicalismo e simplismo que induz. Em relação a este aspecto assume a ruptura com o marxismo mas, mesmo assim, não com aquilo que considera ser as teses mais profundas desta visão do mundo, na qual não inclui a dialéctica hegeliana.
No terceiro capítulo, expôs a ideia de que o conceito marxista de exploração (mais correctamente, a teoria marxista do valor) é muito abstracto e indeterminado, não podendo ser aplicado a casos concretos para nos dizer o que é um rendimento justo, para esta ou aquela classe profissional.  Segundo Bernstein, “a teoria do valor não fornece um critério para a justiça distributiva, como a teoria atómica é insuficiente para nos dizer que este ou aquele objecto é belo”.
Ainda neste capítulo mostrou que não existe uma tendência estatística para a concentração da riqueza em cada vez menos mão, nem é expectável (mais uma vez criticando Marx) que o capitalismo venha a deparar com uma crise final que impossibilite o seu funcionamento.
No capítulo quarto defendeu que um poder anti-capitalista só pode ser exercido através da organização democrática e cooperativa dos trabalhadores. Ainda neste capitulo, explica que as cooperativas de produção apresentam maiores dificuldades das que a de compras e que só simultaneamente funcionam melhor. Avalia as vantagens e desvantagens das cooperativas e aviso para alguns riscos de sobreposição do interesse corporativo sobre o interesse geral.
Ainda no quarto capítulo, explicou que não pode haver nenhuma fase do desenvolvimento social sem democracia que proteja os interesses gerais contra os interesses particulares de quaisquer grupos sociais. Afirmou que a liberdade é prioritária sobre a igualdade (“é mais importante que qualquer postulado económico” – para usar as palavras de Bernstein). Considera o socialismo como um desenvolvimento e herdeiro do liberalismo. Chega a apelidar o socialismo de liberalismo organizado. Chamou a atenção para que direitos mal formulados podem levar a parasitismo, excesso de burocracia e corrupção. Defendeu uma democracia descentralizada, para associações profissionais, sindicatos, e localidades. Contudo, frisou que deve existir um corpo político que assegure o interesse nacional. Segundo o autor, a democracia é uma pré-condição do socialismo.
Foi muito claro na ideia de que os órgãos políticos são incapazes de controlar todo o sistema produtivo, pelo que deve haver largo espaço para a iniciativa empresarial e propriedade privada de meios de produção. Por último, explicou que as cooperativas de produção podem ser perigosas para o socialismo e para o interesse geral da sociedade.
O último capítulo defende um socialismo evolucionista, para o qual é difícil fixar uma meta final e considera que a ditadura do proletariado tende a ser a ditadura de alguns oradores mais literários.
Templo de São Pedro em Roma - Obra de Bramante
Infelizmente a influência de Bernstein foi muito mais política que teórica. Quer eu dizer com isto que a novas bases que lançou foram muito pouco desenvolvidas por autores subsequentes. É preciso alguma boa vontade para ver em Bobbio um Bernsteiniano, na sua reflexão sobre o futuro da democracia. Talvez seja um pouco mais nítido ver na “teoria crítica” (Adorno, Lukács, Marcuse, Habermas, etc.) o retomar das ideias de Bernstein contra o determinismo economicista . Infelizmente, Bernstein não foi o federador do pensamento socialista democrático, sendo que importantes conceptualizações como o socialismo de mercado ou o socialismo das guildas dificilmente se relacionam com Bernstein. Infelizmente, o socialismo democrático é, ainda, uma teoria bebé. Só um certo desprezo pela razão e pela cultura pode explicar um relativo desinteresse dos partidos socialistas no desenvolvimento da teorização socialista.

Em próximos artigos, neste blog, tencionamos mostrar quais os erros de Bernstein e quais as perspectivas de os colmatar, questões essenciais para o desenvolvimento da teoria socialista.

autor: José Nuno Lacerda Fonseca

4 comentários:

  1. Penso que os conteúdos aqui apresentados quase não merecem ser comentados, penso que merecem ser retidos e guardados. Em meu nome pessoal agradeço ao José Nuno Lacerda Fonseca pela partilha destas informações, pois não existe nenhuma obra de Bernstein na nossa língua.
    Há apenas algo que me deixa intrigado, quando outras correntes ideológicas tudo fazem para que se conheçam os seus pensadores e intelectuais, aquelas que lançaram as bases doutrinárias que lhes dão razão de ser, porque será que no Partido Socialista isto não acontece?
    Infelizmente poucos socialistas portugueses algum vez ouviram falar deste autor, ainda que seja por mais evidente a sua influências nos ideais e princípios do partido de hoje, apesar de muitas vezes as concretizações práticas ficarem muito aquém das bases e princípios que supostamente nos distinguem...

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  2. Vicente Tavares08 fevereiro, 2011

    Existir, existem, mas estão esgotados. Só se for num alfarrabista. A teorização política da maior parte dos socialistas é extremamente pobre.

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  3. Caberá aos que se intitulam de socialistas enveredar pela demanda do aperfeiçoamento e divulgação doutrinal. Abertos e disponíveis para o debate e, claro, para o contraditório. Caso contrário não seria Democrático este Socialismo.

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  4. Excelente exposição; esse post teve a continuidade anunciada?

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